Às vésperas da 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP26, em novembro, em Glasgow, na Escócia, o mundo está de olho no debate climático e nos impactos imediatos que as decisões das nações podem ter nesta temática.
Falar de clima é adentrar em aspectos diversos da vida cotidiana de todos. É um assunto que vai além da floresta em pé e do ciclo das chuvas; passa por produtividade, segurança alimentar, saúde, economia, políticas públicas, entre outros. E no centro disso tudo está a Amazônia, que – além de seu relevante papel como maior floresta tropical –, segundo Izabella Teixeira, ex-ministra do meio ambiente, tem o poder de colocar e retirar o Brasil do mundo e levar o país ao futuro.
Integrante de Uma Concertação pela Amazônia, Izabella é uma das articuladoras da formulação da proposta que vem sendo trabalhada no âmbito da iniciativa e que deve ser levada ao debate da COP26. O grupo vem trabalhando sobre a proposta nos últimos meses com o objetivo de representar a sociedade brasileira para além da esfera federal.
Na entrevista a seguir, Izabella fala sobre a relevância que essa discussão pode ter na COP26.
1. Em que medida o documento avança em relação à concepção que se tem hoje da Amazônia?
O documento é provocador — e deve ser mais provocador ainda — ao permitir que a gente saia da inexistência de visão e construa a partir de novas histórias a serem contadas sobre o futuro. Nesse contexto, para mim, o desmatamento é um assunto do passado. Embora ele precise e deva ser permanentemente combatido com vistas a sua erradicação do uso da terra no Brasil, existem novos caminhos ou outras possibilidades de agregação, de trabalho, de interlocução política. Temos que construir a partir do novo e não reconstruir o que existia no passado. Temos uma miopia para ver a Amazônia. O documento é muito bem estruturado sobre essa miopia e a extemporaneidade do olhar político/econômico vigente sobre a Amazônia nos tempos presentes. Uma outra perspectiva inovadora do documento é o fato de não ser algo terminado, mas sim algo em permanente construção, possibilitando interações múltiplas e diversidade política. Isso é extremamente interessante para recepcionar novos processos políticos e avançar na transição de modelos de desenvolvimento. Entendo que o documento sinaliza por novas ambições e caminhos, algo que precisamos ter com urgência no Brasil, fazendo uso estruturante dos domínios amazônicos e dos amazônidas.
Devemos entender essa Amazônia como um espaço de Brasil que é um portal para o contemporâneo. E essa visão precisa estar mais robusta no documento. Tem que mostrar como é que a gente conta novas histórias sobre o futuro e porque que a Amazônia é importante para contar essas histórias tanto do ponto de vista global, quanto do ponto de vista regional, nacional e subnacional.
2. Quais seriam esses elementos da contemporaneidade?
Primeiro, a segurança climática do planeta, que é um assunto extremamente estratégico. A agenda de desenvolvimento humano, dos direitos humanos recepcionando os direitos socioambientais, das novas economias e novas políticas de desenvolvimento, da saúde pública nacional e global, além dos valores e comportamentos que balizam o bem-estar e qualidade de vida de ser brasileiro, de ser amazônida. Não é possível avançamos como sociedade sem os valores culturais balizadores civilizatórios. A Amazônia é reveladora de tudo isso. As mudanças que experimentamos nos tempos atuais promovem a redefinição de valores. Que novos valores emergem da visão da Concertação e dessa Amazônia? Eu acho que os valores serão múltiplos, flexíveis, que possibilitam às várias identidades entenderem seu sentido de pertencimento, de nova expressão do humanismo e de inclusão política. Esses valores não podem excluir. Quem é indígena é indígena e se mantém à parte dos demais brasileiros? Não! É o contrário: é indígena, é também caboclo, é também extrativista, é também quem migrou do Sul para lá, ou seja, é uma identidade que denuncia os erros do passado que precisam e devem ser reconhecidos e corrigidos. A Amazônia para mim é uma identidade desse Brasil contemporâneo. Um Brasil que se reconhece e que inclui, um país que agrega e que quer pertencer ao seu povo, diverso, plural, criativo e dono de uma força política única no planeta. É uma identidade de ser brasileiro. Por conta das influências cariocas na família, eu cresci com a imagem de que ser brasileiro é ser carioca. Está bem. Mas, no século XXI, ser brasileiro também é ser amazônida!
3. A floresta em pé é parte deste olhar contemporâneo?
A simbologia da floresta em pé é, na realidade, a natureza em pé, em um país que toda a sua trajetória de colonização, de ocupação e de desenvolvimento foi de destruição da natureza. É uma mudança de paradigma. Quando falo da economia, da bioeconomia ou das novas economias verde, azul, branca, púrpura, eu não estou falando só da economia ligada à conservação da floresta. Esses novos caminhos de desenvolvimento a partir do olhar de proteção da maior floresta tropical do mundo determinam uma nova relação do homem com a natureza. Isso é uma bela afirmação política, porque é um realinhamento com a contemporaneidade. Isso requer amadurecimento político, espaços para o diálogo e a construção de convergências com a sociedade. Por exemplo, teremos de saber propor e discutir a demanda por infraestrutura na Amazônia e do Brasil em relação à Amazônia sob novas perspectivas. Importante vencer a barreira dos impactos ambientais e sociais que acirram as desigualdades e a degradação da natureza. É preciso entender e equacionar as necessidades locais, eliminar as barreiras que distanciam do seu Pedro, da dona Maria, do seu José e das nossas ambições. Resgatar credibilidade a partir de uma relação sustentável de longo prazo entre o homem e a natureza na Amazônia.
A floresta em pé é simbólica na dimensão política e ambiental. Mas, é mais do que isso: é bem-estar, é acesso a saneamento, às estradas, ter serviços com mais qualidade, ter os territórios indígenas protegidos com base nos direitos dos seus povos e com acesso às tecnologias e a serviços necessários, mantendo as suas tradições étnicas, culturais e respeitando os direitos legais. O mesmo se aplica aos demais territórios de populações tradicionais e de conservação da natureza. Não se pode discutir resoluções de problemas com base em retrocessos e em soluções do passado que não têm futuro. A discussão de desenvolvimento humano e de saúde pública na Amazônia são duas discussões críticas para o seu desenvolvimento sustentável. A covid mostrou isso. O momento político que vivemos é muito simbólico. Um dos passos para a reconstrução do país certamente é pela Amazônia. As pessoas não se conectam pelo desmatamento, elas se conectam pela saúde, pela educação, pela cultura, pelo bem-estar e por identidade de ser parte de um mundo mais justo e solidário. As pessoas se conectam pelo bem e não pela degradação e retrocessos.
4. Que impacto esse documento pode provocar na COP26?
Quando você vai para a COP26 com uma visão de uma Concertação plural, que envolve mais de 400 pessoas e mostra uma Amazônia que aquelas pessoas que estão lá não enxergam, podemos provocar algum deslocamento de zona de conforto. É uma proposta que trabalha cenários, com os argumentos e as linguagens que as várias “tribos” (governos, setor privado, industrial, inovação) podem ler e se ver no documento. Eles vão ver argumentos e dizer: “isso aqui não é um delírio ambientalista” ou “isso aqui não é só a vontade da turma de meio ambiente”, é uma vontade em vários setores. É uma visão inovadora de nova relação do homem e da natureza, que afirma o ambientalismo contemporâneo e reafirma a sustentabilidade. É uma postura muito mais elaborada e articulada com vistas à interlocução internacional e aqui no Brasil, porque mostra um amadurecimento político de lidar com os trade-offs, de lidar com os interesses diversos que operam no mundo real.
Sou uma pessoa apaixonada pela ideia de que a gente precisa influenciar, sim, com a proposição de novos espaços de engajamento e de inclusão, trazendo essas novas gerações. Gosto da ideia da Concertação não só pelo que ela representa para a minha geração, mas pelo que ela pode propiciar de debates, conflitos, de trade-offs em torno das novas pessoas que estão vindo para a conversa. Me encanta porque ela tem um potencial de sedução muito grande, mas se a gente errar a dose, a sedução é apenas de curto prazo. Você tem que desejar que as pessoas sejam seduzidas pela capacidade de transformar suas vidas e de serem impactadas positivamente. Isso é o novo Brasil, tem a ver com o novo momento da democracia brasileira. Não tem a ver com ódio, tem a ver com a capacidade de desejar o futuro não fugindo do realismo pragmático. A Concertação é uma influencer da Amazônia viva e presente!
Anúncio foi feito durante o Partnership Meeting 2025, um dos maiores eventos do setor de…
Iniciativa setorial foi desenvolvida para promover o cacau nacional em mercados estratégicos, como Europa e…
Roberto Waack, Renata Piazzon, Julia Dias Leite e Izabella Teixeira estiveram ao lado de André…
Cooperação vai ao encontro da meta nacional de restaurar 12 milhões de hectares de matas…
Parceria pretende beneficiar diretamente 360 famílias produtoras de cacau do sul-baiano. Crédito: acervo. O Projeto…
Pauta foi debatida por especialistas de todo o mundo durante o Wood Construction Global Meeting.…