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‘A Amazônia deve ser um portal para o contemporâneo’

Izabella Teixeira, ex-ministra do meio ambiente. Foto de Alexandre Campbell/aCriatura

Às vésperas da 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP26, em novembro, em Glasgow, na Escócia, o mundo está de olho no debate climático e nos impactos imediatos que as decisões das nações podem ter nesta temática.

Falar de clima é adentrar em aspectos diversos da vida cotidiana de todos. É um assunto que vai além da floresta em pé e do ciclo das chuvas; passa por produtividade, segurança alimentar, saúde, economia, políticas públicas, entre outros. E no centro disso tudo está a Amazônia, que – além de seu relevante papel como maior floresta tropical –, segundo Izabella Teixeira, ex-ministra do meio ambiente, tem o poder de colocar e retirar o Brasil do mundo e levar o país ao futuro. 

Integrante de Uma Concertação pela Amazônia, Izabella é uma das articuladoras da formulação da proposta que vem sendo trabalhada no âmbito da iniciativa e que deve ser levada ao debate da COP26. O grupo vem trabalhando sobre a proposta nos últimos meses com o objetivo de representar a sociedade brasileira para além da esfera federal.

Na entrevista a seguir, Izabella fala sobre a relevância que essa discussão pode ter na COP26.

1. Em que medida o documento avança em relação à concepção que se tem hoje da Amazônia?

O documento é provocador — e deve ser mais provocador ainda — ao permitir que a gente saia da inexistência de visão e construa a partir de novas histórias a serem contadas sobre o futuro. Nesse contexto, para mim, o desmatamento é um assunto do passado. Embora ele precise e deva ser permanentemente combatido com vistas a sua erradicação do uso da terra no Brasil, existem novos caminhos ou outras possibilidades de agregação, de trabalho, de interlocução política. Temos que construir a partir do novo e não reconstruir o que existia no passado. Temos uma miopia para ver a Amazônia. O documento é muito bem estruturado sobre essa miopia e a extemporaneidade do olhar político/econômico vigente sobre a Amazônia nos tempos presentes. Uma outra perspectiva inovadora do documento é o fato de não ser algo terminado, mas sim algo em permanente construção, possibilitando interações múltiplas e diversidade política. Isso é extremamente interessante para recepcionar novos processos políticos e avançar na transição de modelos de desenvolvimento. Entendo que o documento sinaliza por novas ambições e caminhos, algo que precisamos ter com urgência no Brasil, fazendo uso estruturante dos domínios amazônicos e dos amazônidas.

Devemos entender essa Amazônia como um espaço de Brasil que é um portal para o contemporâneo. E essa visão precisa estar mais robusta no documento. Tem que mostrar como é que a gente conta novas histórias sobre o futuro e porque que a Amazônia é importante para contar essas histórias tanto do ponto de vista global, quanto do ponto de vista regional, nacional e subnacional.

2. Quais seriam esses elementos da contemporaneidade? 

Primeiro, a segurança climática do planeta, que é um assunto extremamente estratégico. A agenda de desenvolvimento humano, dos direitos humanos recepcionando os direitos socioambientais, das novas economias e novas políticas de desenvolvimento, da saúde pública nacional e global, além dos valores e comportamentos que balizam o bem-estar e qualidade de vida de ser brasileiro, de ser amazônida. Não é possível avançamos como sociedade sem os valores culturais balizadores civilizatórios. A Amazônia é reveladora de tudo isso. As mudanças que experimentamos nos tempos atuais promovem a redefinição de valores. Que novos valores emergem da visão da Concertação e dessa Amazônia? Eu acho que os valores serão múltiplos, flexíveis, que possibilitam às várias identidades entenderem seu sentido de pertencimento, de nova expressão do humanismo e de inclusão política. Esses valores não podem excluir. Quem é indígena é indígena e se mantém à parte dos demais brasileiros? Não! É o contrário: é indígena, é também caboclo, é também extrativista, é também quem migrou do Sul para lá, ou seja, é uma identidade que denuncia os erros do passado que precisam e devem ser reconhecidos e corrigidos. A Amazônia para mim é uma identidade desse Brasil contemporâneo. Um Brasil que se reconhece e que inclui, um país que agrega e que quer pertencer ao seu povo, diverso, plural, criativo e dono de uma força política única no planeta. É uma identidade de ser brasileiro. Por conta das influências cariocas na família, eu cresci com a imagem de que ser brasileiro é ser carioca. Está bem. Mas, no século XXI, ser brasileiro também é ser amazônida! 

3. A floresta em pé é parte deste olhar contemporâneo?

A simbologia da floresta em pé é, na realidade, a natureza em pé, em um país que toda a sua trajetória de colonização, de ocupação e de desenvolvimento foi de destruição da natureza. É uma mudança de paradigma. Quando falo da economia, da bioeconomia ou das novas economias verde, azul, branca, púrpura, eu não estou falando só da economia ligada à conservação da floresta. Esses novos caminhos de desenvolvimento a partir do olhar de proteção da maior floresta tropical do mundo determinam uma nova relação do homem com a natureza. Isso é uma bela afirmação política, porque é um realinhamento com a contemporaneidade. Isso requer amadurecimento político, espaços para o diálogo e a construção de convergências com a sociedade. Por exemplo, teremos de saber propor e discutir a demanda por infraestrutura na Amazônia e do Brasil em relação à Amazônia sob novas perspectivas. Importante vencer a barreira dos impactos ambientais e sociais que acirram as desigualdades e a degradação da natureza. É preciso entender e equacionar as necessidades locais, eliminar as barreiras que distanciam do seu Pedro, da dona Maria, do seu José e das nossas ambições. Resgatar credibilidade a partir de uma relação sustentável de longo prazo entre o homem e a natureza na Amazônia. 

A floresta em pé é simbólica na dimensão política e ambiental. Mas, é mais do que isso: é bem-estar, é acesso a saneamento, às estradas, ter serviços com mais qualidade, ter os territórios indígenas protegidos com base nos direitos dos seus povos e com acesso às tecnologias e a serviços necessários, mantendo as suas tradições étnicas, culturais e respeitando os direitos legais. O mesmo se aplica aos demais territórios de populações tradicionais e de conservação da natureza. Não se pode discutir resoluções de problemas com base em retrocessos e em soluções do passado que não têm futuro. A discussão de desenvolvimento humano e de saúde pública na Amazônia são duas discussões críticas para o seu desenvolvimento sustentável. A covid mostrou isso. O momento político que vivemos é muito simbólico. Um dos passos para a reconstrução do país certamente é pela Amazônia. As pessoas não se conectam pelo desmatamento, elas se conectam pela saúde, pela educação, pela cultura, pelo bem-estar e por identidade de ser parte de um mundo mais justo e solidário. As pessoas se conectam pelo bem e não pela degradação e retrocessos. 

4. Que impacto esse documento pode provocar na COP26? 

Quando você vai para a COP26 com uma visão de uma Concertação plural, que envolve mais de 400 pessoas e mostra uma Amazônia que aquelas pessoas que estão lá não enxergam, podemos provocar algum deslocamento de zona de conforto. É uma proposta que trabalha cenários, com os argumentos e as linguagens que as várias “tribos” (governos, setor privado, industrial, inovação) podem ler e se ver no documento. Eles vão ver argumentos e dizer: “isso aqui não é um delírio ambientalista” ou “isso aqui não é só a vontade da turma de meio ambiente”, é uma vontade em vários setores. É uma visão inovadora de nova relação do homem e da natureza, que afirma o ambientalismo contemporâneo e reafirma a sustentabilidade. É uma postura muito mais elaborada e articulada com vistas à interlocução internacional e aqui no Brasil, porque mostra um amadurecimento político de lidar com os trade-offs, de lidar com os interesses diversos que operam no mundo real. 

Sou uma pessoa apaixonada pela ideia de que a gente precisa influenciar, sim, com a proposição de novos espaços de engajamento e de inclusão, trazendo essas novas gerações. Gosto da ideia da Concertação não só pelo que ela representa para a minha geração, mas pelo que ela pode propiciar de debates, conflitos, de trade-offs em torno das novas pessoas que estão vindo para a conversa. Me encanta porque ela tem um potencial de sedução muito grande, mas se a gente errar a dose, a sedução é apenas de curto prazo. Você tem que desejar que as pessoas sejam seduzidas pela capacidade de transformar suas vidas e de serem impactadas positivamente. Isso é o novo Brasil, tem a ver com o novo momento da democracia brasileira. Não tem a ver com ódio, tem a ver com a capacidade de desejar o futuro não fugindo do realismo pragmático. A Concertação é uma influencer da Amazônia viva e presente! 

Carmen Guerreiro

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