“A sociedade civil brasileira vai mostrar que o país tem outras vozes, outras preocupações”. Essa é uma das expectativas que Francisco Gaetani tem para a COP26, que começa no dia 31 de outubro em Glasgow. Nesta entrevista, o professor da Fundação Getúlio Vargas, integrante da iniciativa Uma Concertação pela Amazônia e fellow do Instituto Arapyaú, disse ter esperanças de que as organizações possam costurar diálogos em espaços onde o governo federal não está presente. Para o professor, que também estará na Conferência do Clima, uma boa notícia sobre a participação brasileira vem da iniciativa privada, que tem demonstrado compromissos do setor produtivo e financeiro em liderar as transformações energéticas. A seguir, os principais trechos da entrevista.
O que esperar desta COP?
Há uma expectativa de que se amplie as ambições, de que se antecipe as neutralizações de carbono, que haja o compromisso de alocação de recursos para evitar o agravamento da situação climática. Mas acho que essas expectativas serão frustradas. Porque não há consenso entre os grandes protagonistas do debate, nem condições de compromissos serem assumidos de forma multilateral para que se avance nessa agenda. E isso tem explicação. Os países estão se recuperando da pandemia; estamos vivendo uma crise nas cadeias produtivas globais (as linhas de abastecimento de bens e serviços estão ainda em processo de recuperação) e um retorno da inflação no mundo. E ainda há, no xadrez geopolítico, situações de indefinição: um novo governo na Alemanha; eleições na França; o Reino Unido está numa situação de muita confusão e incerteza desde o Brexit, o que deixa a Europa em uma situação de relativa fragilidade para liderar esse processo. Nos EUA, Biden está com problemas em casa, precisando resolver os impactos causados pela covid na economia americana.
Então não há, no momento, um ambiente de construção de consenso, do ponto de vista global, para que haja os avanços que a sociedade e o movimento ambientalista esperam. A boa notícia vem da sociedade. Não apenas a sociedade civil, mas também a iniciativa privada, com a agenda ESG, que é muito importante, pois significa o compromisso do setor produtivo, impulsionado pelo setor financeiro. Há uma tendência crescente de o setor financeiro assumir a liderança dessas transformações. E isso é muito bem-vindo porque o que gera riqueza é o crédito. E se os bancos, cada vez mais, consideram na oferta de crédito os princípios ESG, isso vai induzindo à limpeza das cadeias produtivas, e os setores vão buscando internalizar essas preocupações e se adaptarem a elas. Isso pode gerar bons posicionamentos em Glasgow.
E como o Brasil chegará?
Penso que a equipe brasileira vai trabalhar na perspectiva da contenção de danos, podendo apresentar algumas ideias, questões, princípios, mas com pouca densidade. Desta vez, diferente da COP do Acordo de Paris, nós vamos chegar por fora de todas as conversas dessa conferência, pois saímos de um papel de liderança na democracia climática para um papel problemático. O que a gente espera, do ponto de vista oficial, é não comprometermos as negociações.
Como as negociações internacionais reconhecem o papel dos chamados non-state actors, a sociedade civil está indo para mostrar que o país tem outras vozes, outras preocupações, e isso é muito importante pois possibilita costurar algumas conversas das quais o governo federal não participa.
O posicionamento do setor privado, área corporativa e financeira, pode deixar o governo a reboque?
O setor financeiro está respondendo a uma demanda da sociedade, mais especificamente da juventude ativista, que percebeu que seu futuro está em risco. Isso quer dizer que estamos falando de padrões de consumo, de produtos, hábitos. Portanto, o ponto de partida em relação ao assunto é novo, pois quando você tem as gerações mais novas e o setor financeiro na mesma operação, significa que os governos já estão a reboque. Por exemplo, vamos pegar o caso do cigarro. Nesse processo, as variantes foram: as evidências da medicina, a juventude, os pais sendo pressionados a mudar, além de políticas públicas. Até que chegamos a uma geração que hoje praticamente já não fuma. Na questão ambiental é parecido. Virar o jogo é uma transição de gerações.
Em artigo publicado recentemente no Capital Reset, você fala da necessidade de se ter o Ministério da Economia liderando as negociações do debate climático, e não o do Meio Ambiente. Como é em outros países do mundo?
Talvez o país mais importante dessa discussão seja a Alemanha, que na primeira década dos anos 2000 iniciou uma conversão energética. Isso significou que as questões da energia e do meio ambiente vieram para o centro da agenda econômica. Houve um processo de reestruturação produtiva e, a partir daí, esforços consistentemente orientados nessa direção. Não quer dizer que eles não lidem mais com problemas energéticos – questão nuclear, dependência de carvão, entre outros –, mas que as discussões relacionadas à descarbonização foram para o centro da agenda econômica no País. E isso é um choque na economia, pois você vai “passar a limpo” todo o seu parque industrial.
Hoje, nós temos duas grandes transformações que são irreversíveis e vão ocorrer ao longo de gerações: a descarbonização e a transformação digital. A covid acelerou drasticamente a segunda. Já a transição energética não é tão simples assim: estamos falando de casas, empresas, matriz de recursos naturais. A Alemanha, voltando ao nosso exemplo, lançou uma linha de crédito subsidiado para que as pessoas fizessem a conversão energética de suas casas. Ou seja, não é apenas um setor que precisa se mobilizar. São as famílias, as empresas, os governos. E para isso é preciso recursos. Portanto, não faz sentido o Ministério do Meio Ambiente conduzir esse debate, pois os mecanismos de financiamento para essa transição não estão ali. Hoje, inclusive, a tendência é que os bancos se tornem os maiores agentes dessa oferta de crédito.
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