Seu Bené Costa, produtor de mandioca na região do Tapajós, no Pará, trabalha duro para cada colheita. É sofrido, ele diz, mas gratificante, pois “ter uma roça é como ter dinheiro no banco”. É inspirada em histórias como a de Seu Bené que a chef Bel Coelho realiza um trabalho voltado para a valorização dos produtos nativos dos biomas brasileiros. Ela aceitou o convite do Instituto Arapyaú para falar sobre o papel da gastronomia na conservação da biodiversidade durante a Climate Week de Nova York.
“É preciso fortalecer as cadeias de pequenos produtores que cultivam alimento com a floresta em pé. Eu realmente acredito que a gastronomia pode ser uma grande aliada na conservação dos nossos biomas”, disse Bel durante o evento “O papel do Brasil à frente da primeira COP amazônica”, no dia 23 de setembro. Na ocasião, a chef ofereceu aos presentes “o sabor da floresta em forma de uma sobremesa”, feita com doce de bacuri, creme de cumaru, espuma de cacau e farofa de castanha-do-pará. Ingredientes oriundos de pequenos produtores amazônidas que fazem da floresta em pé o seu ganha-pão – e o alimento de muita gente.
Ressaltar a importância do trabalho dessas pessoas é especialmente importante no momento em que o Brasil está em chamas e, junto com ele, o ecossistema mais rico em biodiversidade do mundo. “Existem soluções, e elas vêm da floresta e das pessoas que moram nela. Bioeconomia, agroflorestas e uma gastronomia consciente são estratégias para preservar nossa biodiversidade. Só precisam ser reconhecidas, encorajadas e receber financiamento”, diz Bel.
No dia 25 de setembro, a chef integrou o painel “Bioeconomia e Sistemas Alimentares na Amazônia”. Organizado pelo Arapyaú, por Uma Concertação pela Amazônia e pela Embratur, o evento contou também com a presença de Renata Piazzon, diretora-geral do Instituto, Izabela Teixeira, ex-ministra do Meio Ambiente e fellow do Arapyaú, Ana Claudia Cunha Costa, co-fundadora da Casa Amazônia e da Rede Amazônias pelo Clima, e Salo Coslovsky, professor da Universidade de Nova York.
Além do debate sobre o que gastronomia e sustentabilidade têm em comum, o encontro propiciou aos participantes saborear a culinária do maior bioma do mundo e apreciar uma exposição artística que destaca a força das mulheres amazônidas e teve curadoria da Uma Concertação pela Amazônia.
“A cultura alimentar do Brasil e a nossa gastronomia têm a chance de desempenhar um papel crucial, ao colocar holofote em ingredientes nativos e ajudar a criar e fortalecer cadeias sustentáveis – em termos ambientais, econômicos e sociais”, afirma Renata Piazzon. O Arapyaú integra a Força Tarefa de Segurança Alimentar da Coalizão Brasil, Clima, Florestas e Agricultura, um dos principais movimentos no Brasil que tem pautado sistemas alimentares sustentáveis, sob liderança da Fundação Solidaridad, organização internacional sem fins lucrativos com experiência no desenvolvimento de cadeias produtivas inclusivas e sustentáveis.
Pesquisador de bioeconomia, Salo Coslovsky mergulhou recentemente no universo de empresas que trabalham com produtos da floresta. Ele concluiu que empreendedores como Bel Coelho estão ajudando a criar novos bens públicos. “É o que ela faz ao ensinar ao consumidor que esses produtos nativos são comestíveis, são deliciosos, e como devem ser cozinhados.”
Embora o tema tenha ganhado espaço, ainda há desafios econômicos, de infraestrutura e de logística a serem superados. “Precisamos ter consumidores que possam pagar por esses produtos. O custo de produção é um aspecto muito importante para evitar que isso se torne uma comida de elite. Precisamos entender o valor dos alimentos considerando as diferentes classes sociais”, afirma Izabella Teixeira.
Com esse desafio em mente, é preciso pensar soluções para trazer à mesa produtos regionais, frutos da agricultura familiar e, assim, conectar a comida no prato com o desenvolvimento de uma agricultura produtiva e regenerativa e com a melhoria dos meios de subsistência rurais, como defende o Arapyaú. Isso demonstra o poder da gastronomia de revelar Amazônia, Mata Atlântica, Cerrado, Caatinga, Pantanal e Pampas enquanto comunidades produtoras locais, com seus conhecimentos, valores e costumes tradicionais.
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