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Como a IA pode ajudar o Brasil a proteger seu capital natural

Roberto Waack é presidente do Conselho do Arapyaú. Crédito: Bia Pontes

A velocidade dos avanços em inteligência artificial (IA) tem sido ditada pela ambição das big techs, enquanto a sociedade busca criar regulações e entender os impactos dessa nova tecnologia no mercado de trabalho e no modo de vida, em geral. Como em qualquer transformação, há também um vasto leque de oportunidades, com possibilidades de progresso em áreas como educação, saúde, meio ambiente e clima, para citar apenas alguns.

Em artigo assinado com parceiros do Instituto Arapyaú, Roberto Waack, presidente do conselho da instituição, defende que, no Brasil, a IA pode trazer benefícios em pelo menos dois campos relacionados à conservação ambiental: na implementação do Código Florestal e no sequenciamento genético digital. “A IA pode ajudar o Brasil a proteger seu capital natural, tornando o país protagonista nessa área, e ser também uma ferramenta de desenvolvimento”, afirma.

Nosso país, que abriga a maior biodiversidade do planeta, é também detentor de uma das legislações mais avançadas sobre proteção do uso da terra, contando com o Código Florestal, o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Snuc) e a Lei de Crimes Ambientais. Entretanto, apesar de ter sido aprovado há 12 anos, o Código Florestal não foi totalmente implementado. Um de seus principais instrumentos é o Cadastro Ambiental Rural (CAR), que permite que o poder público possa ter informações específicas sobre a localização, a área dos imóveis e quais porções deles devem ser destinadas à proteção florestal, principalmente nas áreas de Reserva Legal e Preservação Permanente (APP). Mas dados do Ministério do Meio Ambiente e Mudança Climática atestam que apenas 1,4% dos CAR, que são autodeclaratórios, estão com a análise de regularidade ambiental concluída pelos órgãos ambientais.

A IA é capaz de processar bases gigantescas de dados, podendo acelerar a validação dos CAR a custos muito mais baixos. A tecnologia consegue checar se os dados registrados têm consistência e organizar essas informações com um mapa mais preciso do território brasileiro, localizando onde estão as florestas, as nascentes de rios, as APPs (Áreas de Proteção Permanentes). […] Saber onde está o recurso natural é fundamental para mensurar seu valor, mas também para o cumprimento da Lei. A IA, sozinha, pode indicar para o comprador de boi, por exemplo, se aquele animal veio de uma área desmatada”. 

Roberto Waack, presidente do Conselho do Instituto Arapyaú

À medida que a tecnologia ajuda a desbravar a complexidade de informações dos ativos naturais brasileiros, ela proporciona um maior entendimento sobre o valor desse capital, com desdobramentos socioeconômicos. “No campo ambiental, há o benefício da conservação. No campo social, grande parte desse capital natural está relacionado às populações originais e tradicionais, que atuam na proteção das florestas e, muitas vezes, não usufruem dos resultados disso. Tudo isso leva a um desenvolvimento econômico muito mais conectado com os valores de sustentabilidade, que hoje são demandados no mercado do mundo inteiro”, explica Waack.

Outro potencial da IA para o país é a digitalização do patrimônio genético da biodiversidade. “Trata-se de transformar informação química de uma molécula de DNA ou RNA numa sequência de dados que caracterizam cada gene da nossa biodiversidade. Com uma riqueza natural tão imensa, é praticamente impossível fazer isso sem ajuda da tecnologia”, diz ele. Waack menciona que países como Suíça e Japão têm utilizado esse sistema de digitalização genética para aplicações na indústria farmacêutica. “O mundo tem interesse nessas informações, por isso, é um conhecimento estratégico para o Brasil. Se não tivermos esses dados, alguém os terá e ficaremos a reboque. Corremos o risco de sequer saber de todo o patrimônio genético que possuímos.”

Utilizar a IA no processamento de dados do capital natural dessa maneira inédita pode ainda modificar as dinâmicas geopolíticas, destacando o Brasil na esfera internacional e, ao mesmo tempo, possibilitando a distribuição de benefícios para as comunidades locais, principais guardiãs desse patrimônio. Mas o que falta para o país chegar lá? “Primeiramente, uma coordenação no âmbito do governo brasileiro sobre quem vai usar, quem vai liderar e quem vai cuidar do acesso a essa onda absurda de desenvolvimento tecnológico. No momento, não estamos bem preparados para entender o que significa a IA e tampouco temos capacidade de armazenamento de dados”, responde Waack.

De acordo com o presidente do Conselho do Arapyaú, os investimentos no Brasil para armazenamento de dados são da ordem de R$1 bilhão, enquanto apenas oito empresas nos Estados Unidos investem, cada uma, US$100 bilhões. “Nós precisamos de uma estratégia nacional para lidar com todos esses desafios. Hoje, temos mais de 10 ministérios e órgãos públicos envolvidos com esse assunto, mas que não dialogam. Só quando tivermos uma política nacional de IA coordenada poderemos entender qual é o papel da sociedade civil, qual é o papel das empresas e o do governo”, afirma.

Giulie Carvalho

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