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COP da Biodiversidade é marcada por entraves no financiamento para a conservação

Instituto Arapyaú participou de reunião com as ministras Marina Silva e Sonia Guajajara. Crédito: acervo.

A 16ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica, a COP 16, reuniu representantes de 196 países em Cali, na Colômbia, para estruturar acordos de proteção à biodiversidade. Entre 21 de outubro e 1º de novembro, lideranças políticas debateram, principalmente, o complexo tema do financiamento para colocar em prática as 23 metas globais de preservação, estabelecidas em 2022 pelo Marco Global da Biodiversidade.

A meta 18 desse documento prevê a reforma ou o redirecionamento de US$500 bilhões de subsídios danosos à natureza, que devem ser convertidos em incentivos para atividades positivas à biodiversidade. Para que o Marco seja cumprido à risca, os países desenvolvidos deveriam desembolsar hoje US$20 bilhões do dinheiro público para financiar políticas de conservação da biodiversidade nas nações em desenvolvimento, mas estão longe disso. Na COP 16, foram feitas doações simbólicas que somaram apenas US$400 milhões. Em relação aos US$500 bilhões a serem mobilizados através dos incentivos econômicos, as doações anunciadas em Cali representam apenas 0,08%. 

Nesse cenário, o Brasil, detentor da maior biodiversidade do mundo, ganhou destaque nas negociações. Marina Silva, ministra do Meio Ambiente, e Sonia Guajajara, ministra dos Povos Indígenas, lideraram, junto com outros representantes, o pedido por um plano claro que garanta o fluxo de dinheiro para os países que detêm a maior parte da natureza que precisa de proteção. “As ministras também se reuniram com representantes da sociedade civil para ouvir demandas, tirar dúvidas e conhecer as prioridades de parte da população. Isso reforçou ainda mais a participação dos negociadores brasileiros na COP 16”, afirma Victor Ferraz, coordenador de Bioeconomia do Instituto Arapyaú, que representou a organização em Cali.

Victor acompanhou encontros nos quais se debateu uma proposta para reformar a governança do Global Environment Facility (GEF), que reúne 183 países e é um dos maiores financiadores de projetos ambientais no mundo. “Essa é uma demanda das nações em desenvolvimento. Na plenária de abertura da COP 16, o diplomata brasileiro André Corrêa do Lago defendeu que ‘o financiamento para a biodiversidade deve ir para onde a biodiversidade está’. Além disso, alguns participantes mencionaram a expectativa por uma linguagem mais forte em relação ao financiamento direto para povos indígenas e comunidades locais, solicitando que o GEF forneça recursos para essas populações”, conta. 

A distribuição equitativa dos recursos gerados por meio do sequenciamento genético foi outro tema de destaque na Conferência. Como grande parte desses dados genéticos vêm de países em desenvolvimento, ficou estabelecido, em 2022, na edição que ocorreu em Montreal, a criação de um “mecanismo multilateral para a distribuição dos benefícios derivados do uso de informações de sequência digital (DSI) sobre recursos genéticos, incluindo um repositório global”. No entanto, dois anos depois, ainda não estão decididos os valores, quem deve pagá-los e para quais fundos ou países esses recursos devem ser destinados. “É uma discussão que envolve tecnologia, financiamento e o desafio de prever novos avanços e mudanças nesse setor. Gustavo Pacheco, diplomata chefe da delegação brasileira, disse que está sendo uma das negociações mais difíceis de sua carreira”, conta Victor Ferraz. 

Um avanço nessa área foi a criação do primeiro fundo global para Sequências de Informações Digitais (DSI), o “Fundo Cali”, ao qual conglomerados dos setores farmacêutico, cosmético, agronegócio e de tecnologia devem contribuir com 1% de seus lucros ou 0,1% de sua receita. Embora blocos africanos e latino-americanos tenham defendido um mecanismo legalmente vinculante, o texto final manteve a contribuição como opcional.

“Outro ponto significativo da COP 16 foi o reconhecimento da contribuição dos povos indígenas, comunidades locais e afrodescendentes como guardiões da biodiversidade e de seu papel fundamental na restauração e conservação dos ecossistemas. Isso levou à criação de um Órgão Subsidiário Permanente para Povos Indígenas, Comunidades Locais e Afrodescendentes e à necessidade de elaborar um plano de trabalho para 2030”.

Renata Piazzon, diretora-geral do Arapyaú. 

Renata também destaca que, pela primeira vez, foi proposto um alinhamento mais próximo entre as agendas de biodiversidade e clima, destacando a importância da conservação dos ecossistemas para a mitigação das mudanças climáticas. “O próprio discurso do presidente colombiano, Gustavo Petro, reforçou a importância da rota ‘Cali-Belém’, visando uma integração mais eficaz entre as COPs.”

Renata também destaca que, pela primeira vez, foi proposto um alinhamento mais próximo entre as agendas de biodiversidade e clima, destacando a importância da conservação dos ecossistemas para a mitigação das mudanças climáticas. “O próprio discurso do presidente colombiano, Gustavo Petro, reforçou a importância da rota ‘Cali-Belém’, visando uma integração mais eficaz entre as COPs.”

Outro destaque da COP da Biodiversidade foi a participação popular, segundo conta Victor Ferraz. Vários quarteirões do centro de Cali foram ocupados pela “Zona Verde”, uma área de exposição aberta ao público, que “ficou lotada” durante a realização do evento. “É um parque linear ao longo do rio que corta a cidade. Há grafites e pinturas temáticas decorando as ruas, vários palcos com atrações culturais e as pessoas realmente ocuparam esses espaços, conhecendo iniciativas de comunidades tradicionais, consumindo artesanato e produção agrícola indígena. Na TV, na rádio, todos falavam da COP 16”, descreve Victor. Segundo ele, esta tem sido uma das conferências globais com maior engajamento cidadão. Sem dúvida, um exemplo a seguir pelo Brasil, que realizará a Conferência do Clima, em Belém (PA), uma “COP do povo”. 

Zona Verde, na COP 16, era espaço para intervenções culturais. Crédito: acervo.
Giulie Carvalho

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