Depois de duas semanas de discussões e negociações, a 28ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP28, chegou ao fim em Dubai com o compromisso no seu documento final de conter a elevação da temperatura média do planeta em 1,5°C e a menção a “transition away” (algo como transição na direção da eliminação) dos combustíveis fósseis.
Com essas e outras decisões, o “Consenso dos Emirados Árabes Unidos” busca responder aos resultados do Global Stocktake, o primeiro balanço global sobre os esforços para cumprir com as metas estabelecidas no Acordo de Paris e, assim, mitigar as mudanças climáticas e enfrentar suas consequências.
“Reafirmar a meta do 1,5°C é muito relevante porque, para além desse limite, os impactos das mudanças climáticas serão irreversíveis e intensos. O alinhamento global nessa direção é fundamental, e esse foi um ponto pelo qual os negociadores brasileiros trabalharam muito”, destaca Renata Piazzon, diretora-geral do Instituto Arapyaú.
“Esse alinhamento precisa se dar com a revisão das NDCs, aguardadas para 2025. Elas devem promover a redução drástica de emissões de gases de efeito estufa, conforme apontado pelas evidências científicas. Mas precisam focar principalmente em ações concretas”, afirma Lívia Pagotto, secretária executiva da Uma Concertação pela Amazônia.
O Brasil, que buscou retomar a posição como uma das lideranças na agenda climática internacional, encerrou sua participação com a missão de atuar para que a COP30, que será sediada em Belém (PA), em 2025, seja a mais relevante desde o Acordo de Paris. Até lá, o país precisa deixar lições de casa feitas.
Presentes no encontro, representantes do Arapyaú, da Concertação e de instituições parceiras avaliam os principais resultados da conferência:
Um ponto positivo da conferência em Dubai foi o anúncio da implementação do Fundo de Perdas e Danos, logo no primeiro dia. “Foi sem dúvida um grande marco desta COP”, afirma Renata Piazzon, diretora-geral do Arapyaú. “Menos pelo volume de recursos e mais pelo fato de que o fundo será operacionalizado”, conclui. O fundo, inicialmente hospedado no Banco Mundial, será composto por recursos destinados de forma voluntária pelas nações desenvolvidas. Até o momento, o montante está em pouco mais de US$700 milhões, mas não é considerado suficiente para mitigar os impactos que os países em desenvolvimento e mais vulneráveis já sofrem. Estima-se que os danos somem globalmente algo entre US$100 bilhões e US$580 bilhões por ano.
A forma como os combustíveis fósseis foram abordados no documento final da COP não agradou a todos. Ele convoca os países a adotar “a transição dos combustíveis fósseis nos sistemas energéticos (transition away) de uma forma justa, ordenada e de forma equitativa, acelerando a ação nesta década crítica, de modo a atingir zero emissões líquidas até 2050 de acordo com a ciência”. O documento não fala em eliminar totalmente, ou mesmo gradualmente, o uso dos combustíveis fósseis (petróleo, carvão e gás), como queriam vários países e boa parte da sociedade civil presente na COP. Mas, por outro lado, a menção a combustíveis fósseis também foi vista como positiva, já que finalmente o tema foi nomeado com ênfase no documento.
Um ponto que deixou a desejar foi a questão da adaptação – ou seja, as ações necessárias para os países e populações se prepararem e se adequarem às consequências das mudanças climáticas. No documento final, faltou firmar um cronograma e apresentar como aumentar o financiamento para esse tipo de ação. O texto final da COP destaca que as necessidades financeiras de adaptação dos países em desenvolvimento são de US$ 215 bilhões a US$ 387 bilhões por ano até 2030.
Ficou estabelecido que deve haver um balanço entre o financiamento para adaptação e mitigação, e foi lançado um programa de dois anos com indicadores para medição dos progressos. As ações devem ser estabelecidas pelas nações de acordo com suas realidades locais.
Na opinião de Marcelo Furtado, head de sustentabilidade da Itaúsa e diretor da Nature Finance, o tema acabou deixando de ser central devido ao foco dado à questão dos combustíveis fósseis. “A agenda da adaptação é de grande importância, especialmente porque, pelo menos neste momento, estamos caminhando para ultrapassar o limite de 1,5°C e precisamos fazer frente ao aumento da intensidade dos fenômenos climáticos mais severos. Melhor adaptação significa menos perdas e danos”.
Responsáveis por cerca de um terço das emissões globais de gases de efeito estufa, os sistemas alimentares foram foco desde o início da COP28. Já no segundo dia da conferência, foi anunciada a “Declaração sobre Agricultura Sustentável, Sistemas Alimentares Resilientes e Ação Climática”. Os países que a adotaram se comprometeram a incluir a questão dos sistemas alimentares em suas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC) e em seus planos nacionais de adaptação.
“Já passamos de 150 países signatários, incluindo o Brasil. Essa é uma agenda bastante importante para o contexto brasileiro, pois somos relevantes internacionalmente como produtor de alimentos e também somos um país megabiodiverso. É preciso pensar na transformação de sistemas alimentares conectando-os com clima, natureza, geração de renda e inclusão social”, afirma Laura Lamonica, gerente-executiva da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura.
Para Marcello Brito, secretário-executivo do Consórcio Amazônia Legal, Dubai contribuiu para um novo tipo de discussão. “Esta COP abriu a porta para falarmos da transição de um mundo que discute finanças com base no carbono, que trata mais de remoções, para um que vai trabalhar finanças em cima de natureza, que se trata de conservação e pessoas. A abertura dessa agenda é o que levo de importante desta COP”, destaca.
A COP28 teve recorde de 84 mil participantes, o que aponta que houve presença significativa de representantes de empresas e de organizações da sociedade civil. Assim, além das negociações oficiais, ocorreu uma série de painéis e debates sobre as mais variadas agendas. Apesar disso, houve críticas.
“Uma estrutura muito grande levou à maior dispersão, inclusive física, das ações promovidas pela sociedade civil, setor privado e academia na COP, o que dificultou uma participação mais integradora das diferentes agendas e pessoas”, afirma Lívia Pagotto, secretária executiva da iniciativa Uma Concertação pela Amazônia.
O resultado de Dubai é fundamental para que o Brasil possa delinear os caminhos até 2025, quando teremos a COP30 em Belém-PA, com entregas e metas mais ambiciosas de redução de emissões de gases de efeito estufa, ações para adaptação e resiliência e transição justa. Este caminho passa também pelo encontro do G20, em 2024, que está sob a presidência do Brasil e reunirá as maiores economias do mundo, responsáveis por 80% das emissões e 75 % de todo o comércio global.
“Esta é a grande oportunidade para avançarmos onde a COP28 foi muito tímida, como financiar uma economia positiva para o clima, natureza e pessoas. Será uma grande oportunidade para o Brasil pautar o potencial da bioeconomia e novos modelos de financiamento para as soluções baseadas na natureza” diz Marcelo Furtado. Além disso, para tornar as próximas conferências mais assertivas em busca dos resultados esperados, é preciso que, desde agora, os países anfitriões das COPs 28, 29 (Azerbaijão) e 30 (Brasil) atuem juntos.
A COP29, no ano que vem, deverá ter como foco a revisão de metas de financiamento. Assegurá-lo é peça-chave para implementar as ações de enfrentamento à crise climática, em especial para países em desenvolvimento.
Já a COP30 terá como grande expectativa a discussão em torno de novas NDCs dos países que, espera-se, sejam mais ambiciosas. Isso porque o Global Stocktake evidenciou que os atuais compromissos de redução e mitigação dos gases de efeito estufa são insuficientes para a manutenção do 1,5°C. “Para o contexto brasileiro em si, o desafio agora é como transformar os resultados da COP28 em políticas domésticas que nos permitam apresentar resultados concretos até 2025. E assim colocar o Brasil como protagonista na diplomacia da agenda internacional do enfrentamento das mudanças climáticas, ainda mais considerando nossa rota daqui até lá, com o país na presidência do G20 em 2024”, afirma Laura Lamonica, da Coalizão Brasil.
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