Natural do entorno de Itabuna, a reitora da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB) e nova conselheira do Arapyaú, Joana Guimarães, diz que, depois de 40 anos fora, retornar à região em que nasceu não foi fácil. A cidade havia crescido, mas os desafios sociais e ambientais também –- o que a fez reforçar a certeza de que é preciso repensar o que se entende por desenvolvimento.
Nesta entrevista, ela conta como essa visão influenciou sua forma de atuar na UFSB e por que considerou importante se aproximar cada vez mais de outros atores da região. “Sem esse conjunto, não se avança em território. As pessoas ficam grudadas à sua organização.”
Joana chamou a atenção ainda para a necessidade de inclusão da população local. “Quando eu era criança, uma pessoa negra, tinha aquela coisa de nos colocarem em um lugar em que nada é possível. E você passa a acreditar que não pode nada”. Segundo ela, tudo muda quando há oportunidades. “Quando a gente vai ao município, a gente está dizendo isso aos meninos e meninas: ‘é possível’.”
Você nasceu no sul da Bahia, saiu da região, fez uma carreira de 40 anos fora e retornou. Como essa experiência de pertencer e de também ter uma visão de fora impacta a sua perspectiva sobre o território?
Quando retornei ao sul da Bahia, encontrei a região muito maior, mas com alguns problemas bastante agravados. As periferias haviam crescido, a falta de assistência à população também. A devastação dos recursos naturais era bem maior. Eu lembro de me banhar no rio Cachoeira quando criança (hoje recebe esgoto da cidade). Essa situação me levou a uma pergunta: a gente cresceu à custa de qual tipo de desenvolvimento? Crescemos a partir de um desenvolvimento que gera essa pobreza para o entorno e degradação ambiental. É isso que precisamos repensar.
No ano passado, a UFSB recebeu o evento de consolidação da Agência de Desenvolvimento Regional (ADR) Sul da Bahia. Na ocasião, você destacou que uma ação integrada era capaz de “fazer muito mais” pela região do que instituições isoladas. De que maneira a união de instituições pode favorecer um desenvolvimento regional positivo?
A defesa do trabalho colaborativo, na verdade, vem a partir do reconhecimento de que os problemas têm dimensões muito diversas. A gente não consegue fazer o que é necessário em relação a todas essas dimensões quando a gente não tem o envolvimento de instituições e atores diferentes, que têm até atividades e objetivos distintos. As diferenças nos obrigam a chegar a um caminho que parte justamente de onde esses objetivos diversos se cruzam.
Quais atores são importantes nessa atuação conjunta e como comprometê-los?
No caso de uma Agência de Desenvolvimento Regional, por exemplo, como a do sul da Bahia: não dá para falar numa ADR sem envolver em alguma medida o poder público. Afinal, uma parte do trabalho tem a ver com o desenvolvimento de políticas públicas e quem faz isso é o poder público.
A academia tem o seu papel também. É mais uma dimensão. É um espaço em que ainda se tem a liberdade de pensar, de propor, de trazer novos olhares. A própria ADR, ou um instituto como o Arapyaú, tem o papel de ser o agregador, uma vez que pensa em diversas dimensões: ambientais, sociais, de melhoria do território em que atua.
Por fim, não conseguimos fazer nada em um território sem a participação das pessoas que vivem nele. Se as pessoas não estão bem em um território, os demais são afetados.
Sem esse conjunto, não se avança no desenvolvimento do território, as pessoas ficam grudadas à sua organização. Os resultados amplos começam a aparecer quando esses diferentes atores operam aglutinados.
A participação das pessoas que vivem na própria região esteve bastante presente na formação da UFSB. Você diz que o objetivo da universidade também é promover inclusão e conexão com o território. Qual a importância dessa ênfase?
Precisamos entender nosso entorno. Como eu me conecto com as pessoas? Precisamos justamente encontrar formas para que o entorno sinta que pode participar.
No projeto da universidade, entendemos que precisávamos estar ligados ao território. E foi assim que chegamos à ADR (Agência de Desenvolvimento Regional) Sul da Bahia, ao Parque Tecnológico. Tínhamos que nos aproximar dessas instituições — as que já existiam e as que ajudamos a construir — para entender e impactar as diversas dimensões presentes no território.
Qual é o impacto dessa inclusão para o território?
Quando eu era criança, uma pessoa negra, tinha aquela coisa de nos colocarem em um lugar em que nada é possível. E você passa a acreditar que não pode nada. Seu lugar no mundo é aquele, está reservado. Você não pode sair daquela bolha. Algo além de cozinheira, lavadora de roupa ou doméstica estava fora do meu alcance. Isso nos faz não ter força de sair daquele lugar. Tudo muda quando vem a oportunidade.
É o que queremos com a universidade e com as diversas ações no território. Quando a gente vai ao município, a gente está dizendo isso aos meninos e meninas: ‘é possível’. É uma energia para romper a inércia. Construí minha vida fora. Nunca havia pensado em retornar a Itabuna. Mas retornar com a universidade foi muito especial. Eu não tinha como estudar em Itabuna quando saí aos 15 anos. Retornei trazendo justamente o que me fez ser quem eu sou hoje, o estudar, a universidade. Tem um significado muito importante.
De que forma esse contexto deve impactar sua atuação como conselheira do Instituto Arapyaú?
É exatamente o lugar em que é possível conectar esses diferentes atores. No meu caso, levo um pouco do ambiente da universidade, ao mesmo tempo que entro em contato com atores fora do mundo acadêmico. É a partir daí que podemos somar e encontrar soluções que fiquem na intersecção das diferentes dimensões da sociedade e nos ajude a sair dos imbróglios que nos afetam.
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