Entrevista: “Em Davos, natureza e clima caminharam lado a lado”

Entrevista: “O debate sobre biodiversidade chegou à sala de estar em Davos”
Foto: Arquivo pessoal

Pela primeira vez, o tema da biodiversidade foi equivalente à questão climática no encontro anual do Fórum Econômico Mundial. Essa foi a avaliação do economista e conselheiro do Arapyaú, Johannes van de Ven. Ele acompanhou os cinco dias de encontro em Davos, na Suíça, e destacou o crescimento das discussões sobre a natureza, que esteve presente em um de cada quatro painéis do evento.

De acordo com Johannes, que também é diretor executivo da Good Energies, fundo de investimentos suíço que investe na restauração de ecossistemas, o acordo assinado durante a COP15 da Biodiversidade, em Montreal, no Canadá, foi um divisor de água para as discussões sobre a necessidade de preservação dos recursos naturais. Segundo ele, passou a prevalecer o entendimento de que a natureza não é apenas uma ferramenta para o combate às mudanças climáticas. “Houve o reconhecimento de que não basta lidar com a questão do clima. A natureza é o ‘sistema operacional’ do planeta.”

Qual foi a relevância das temáticas da agenda ambiental durante o Fórum Econômico Mundial em Davos?
As mudanças climáticas estão dominando cada vez mais as agendas de Davos. No Global Risk Report, que sempre sai um pouco antes do fórum e prevê os riscos dos próximos 10 anos, os quatro primeiros itens têm relação com a questão do clima. Isso significa que o tema está no topo da lista de prioridades das pessoas que contribuíram para esse relatório. E se o clima já era um tema presente em Davos, a biodiversidade não era tanto. Agora os dois caminham lado a lado, equivalem em importância. A natureza era vista como um meio de combater a mudança climática. Agora está claro que é o “sistema operacional” do mundo. Se resolvermos a questão climática, mas relegarmos a natureza, continuaremos tendo uma ameaça planetária. Agora os dois temas estão empatados.

A diferença entre net-positive e nature-positive — aspecto que você costuma abordar — tem ficado mais clara para a comunidade econômica internacional?
Assim como o Acordo de Paris, em 2015, pavimentou o caminho para o mercado de carbono, o acordo de Montreal preparou um caminho para o mercado de natureza. Os painéis com mais adesão em Davos foram os que debateram como monetizar a biodiversidade. Podemos dizer que o tema natureza chegou à sala de estar do Fórum Econômico Mundial. A palavra “natureza” estava presente no programa de um de cada quatro painéis do encontro. Mas isso ainda é pouco, pois 100% do PIB mundial depende da natureza. Por isso, também foi muito falado que historicamente a extração de recursos naturais não foi valorizada. Há o reconhecimento de que é como se o que é retirado do planeta não tivesse valor. E isso tem que mudar. 

Já há na mesa caminhos para que essa monetização da biodiversidade se concretize?
Ficaram alguns deveres de casa para os futuros Global Future Councils do Fórum Econômico Mundial. O primeiro é como o mercado de natureza pode aprender com as falhas e acertos do mercado de carbono. Depois, há uma grande discussão de taxonomia. Não existe ainda uma métrica para medir a biodiversidade como o carbono é usado para a questão do clima. E como vão verificar a métrica utilizada? Tem que ser uma tecnologia acessível a todos e não um computador do Vale do Silício a que poucos têm acesso. Por fim, entender como fazer o mercado acontecer, já que o mercado voluntário não vai funcionar. Para o mercado de natureza de fato acontecer, é necessário que haja um órgão regulatório. Não podemos depender apenas da vontade daqueles que desejam participar.

Há avanços na discussão da necessidade de se criar uma estrutura de crédito para a biodiversidade?
Prevaleceu o entendimento de que o foco não deve ser o de financiar as mudanças necessárias, mas sim mudar as finanças. Tem que mudar o que é subsidiado e o que é tributado (penalizado). Teve um painel muito bacana que falou da meta do 30×30 (converter 30% do planeta em áreas protegidas até 2030). Isso significa que seriam necessários US$ 140 bi por ano. Vai ser importante a participação de todos. É imprescindível muita parceria público-privada. Sem isso não se consegue chegar lá. 

Qual é o papel que se espera da filantropia nesse cenário?
Ficou evidente que a gente precisa mesmo de novos mecanismos financeiros. Precisa tanto de doação quanto de outro capital. A filantropia tem esse papel de fazer estudos, de dar viabilidade. A filantropia tem um papel de converter mentes e corações e precisa colaborar para a superação de dois mitos. O primeiro é o de que a natureza é apenas uma ferramenta para fazer frente às mudanças climáticas. O segundo é o do clima como uma questão global enquanto a natureza seria uma questão local. A biodiversidade também tem impacto global. 

Na sua avaliação, qual é a percepção da comunidade internacional sobre a participação do Brasil?
O Brasil retomou o protagonismo que já teve em Davos; não é mais visto como problema e sim como solução. Davos deu um voto de confiança ao que está acontecendo no país. O governo, a academia, a sociedade civil foram chamados para subir ao palco. Pela primeira vez, lideranças indígenas também foram ouvidas.