Qual o papel da maior capital da Amazônia na agenda da bioeconomia e do desenvolvimento sustentável? Essa foi uma das perguntas que serviram de norte para o projeto, do jornalista Sérgio Adeodato. Em um livro-reportagem, Adeodato aborda o convívio cidade-floresta, seus paradoxos, o polo industrial e a bioeconomia, os legados ancestrais e os olhares das atuais gerações.
A obra reúne mais de 60 vozes da cidade, anônimas e famosas, entre pesquisadores, ambientalistas, empresários, lideranças sociais, gestores públicos, empreendedores de inovação e ícones da cultura manauara na música, artes plásticas, gastronomia, arquitetura e cinema. Além das páginas escritas por Adeodato, há um projeto multimídia com exposições fotográficas, lives, oficinas em comunidades manauaras e a produção de um podcast com jovens da região. O projeto teve apoio da Prefeitura de Manaus, por meio da Manauscult, além de parceria com Idesam, Fundação Amazônia Sustentável (FAS), Instituto Arapyaú, Uma Concertação pela Amazônia, Coca-Cola Brasil, Impact Hub Manaus e Página22.
1. De onde surgiu a ideia para o livro? E como foi o processo de produção?
Sérgio Adeodato: Minha relação com Manaus e a Amazônia é bem antiga. Adolescente, fui morar no Acre por conta do trabalho do meu pai. Na ida, ficamos uma semana em Manaus. Estava no auge da Zona Franca. Ia gente do Brasil inteiro para lá para fazer compras, mais até do que conhecer a Amazônia. A gente chegava de avião e via aquele tapete verde de cima e daqui a pouco aparecia uma metrópole enorme, no meio da floresta.
Depois, já como jornalista de meio ambiente e ciência, fui várias vezes a Manaus, e sempre me chamava atenção o que se falava: que a cidade vivia de costas para o rio e para a floresta. Não conseguia entender o porquê. Recentemente, com as discussões sobre bioeconomia e a incorporação no debate sobre meio ambiente de temas como economia e o desenvolvimento, essas questões ficaram ainda mais fortes para mim. Reuni isso tudo e decidi produzir um livro que, em vez de trazer um olhar negativo, do estar de costas, mostrasse Manaus de frente, a partir da conversa com diversos atores da região.
2. Na sua avaliação, qual é afinal o papel de Manaus no debate de desenvolvimento sustentável na Amazônia Legal?
A principal contribuição é econômica. Manaus tem como um dos grandes diferenciais (em relação a outras capitais da Amazônia Legal) a existência de um grande polo industrial, erguido na Zona Franca através da isenção de impostos, com grandes multinacionais, empresas da área eletroeletrônica, de informática, de eletroeletrônicos, etc. Em troca dos benefícios tributários, essas indústrias poderiam contribuir mais para a conservação da floresta. Há estudos dizendo que a própria existência das indústrias em Manaus, o que concentrou a economia, a renda e a população do estado na capital, evitou maior grau de destruição no interior — ou seja, na floresta. Isso é uma contribuição indireta, mas as indústrias da Zona Franca de Manaus podem, na medida que desenvolvem suas estratégias de responsabilidade social e sustentabilidade, olhar para a floresta com outras abordagens, além do lucro. Em tempos de mudança climática e por meio da visão de que o benefício é para todos, é preciso se formar um grande hub e espaços de interação, e o setor industrial de Manaus, que representa a maior parcela do PIB do Amazonas, pode contribuir nesse processo.
3. No livro há relatos sobre a expansão urbana de Manaus das últimas décadas (segundo o MapBiomas, a zona urbana dobrou de tamanho em 35 anos no município). Como esse crescimento impactou a relação com a floresta e a vida da população?
Manaus é muito grande. Só a região metropolitana, por exemplo, reúne outros 13 municípios e é maior do que o território de Portugal. Apesar de a zona urbana ter dobrado de tamanho em 35 anos – resultado do desenvolvimento da Zona Franca – ainda existe uma grande área florestal sob pressão desse avanço urbano, marcado pela desigualdade social. É uma cidade que se espraia, mas não cresce verticalmente. O planejamento urbano precisa considerar isso para que as pessoas tenham qualidade de vida na cidade, tenham casa, tenham moradias adequadas, sem a necessidade de avançar sobre a floresta ao redor.
Além da questão da pressão do crescimento urbano de Manaus sobre a floresta, as ocupações irregulares e a falta de planejamento geram a falta de serviços mínimos de infraestrutura. A ausência do saneamento básico e da coleta de lixo, por exemplo, impacta os igarapés – riachos que cruzam a cidade, onde as pessoas conviviam harmonicamente no lazer, e que hoje viraram grandes esgotos a céu aberto. Então a questão da qualidade de vida na maior metrópole da Amazônia é um grande paradoxo em relação à natureza que existe ao seu redor.
A reflexão sobre o valor da floresta não está tão presente na realidade de Manaus por conta da ideia de que a floresta seria empecilho ao desenvolvimento. Isso vem desde o tempo da borracha, quando o olhar das pessoas estava na Europa, todo capital da produção ia embora e nada ficava para melhorar as perspectivas de vida na região. É preciso transpor esse entendimento e isso requer uma visão da sociedade para o valor que existe ali.
Acesse a página do projeto multimídia Manaus de Frente para a Floresta.
Leia o livro Manaus de Frente para a Floresta.
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