As duas maiores florestas tropicais da América do Sul. Ambas com uma vasta diversidade. Ambas em um momento crítico de destruição. Essas são a Amazônia e a Mata Atlântica, biomas que têm uma história em comum de 20 ou 30 mil anos e que, por muito tempo no passado, suas florestas chegaram a se tocar. Hoje separadas pelo cerrado e pela caatinga, a construção de pontes entre esses ecossistemas é cada vez mais necessária para pensar estratégias de preservação.
Com esse intuito, Uma Concertação pela Amazônia e Página22 realizaram, em 18 de abril, o sexto webinar da série Notas Amazônicas, que reuniu especialistas nas duas florestas para dividirem modelos de governança ambiental como forma de mitigar ou reverter o desmatamento que as ameaçam. O evento, que contou com tradução em libras, foi mediado por Georgia Jordão, gestora de Conhecimento da Concertação, e por Luís Fernando Guedes Pinto, diretor-executivo da Fundação SOS Mata Atlântica, instituição apoiadora do evento.
“A Mata Atlântica já ultrapassou o limiar mínimo para a manutenção da biodiversidade e hoje está em uma rota de extinção, com alguma possibilidade de recuperação por meio de restauração e desmatamento zero. A Amazônia se aproxima do seu ponto de não retorno, a partir do qual a floresta pode entrar em rota de degradação”, alerta Pinto.
Para reverter essa rota, as unidades de conservação (UCs) estão entre as mais importantes políticas brasileiras de conservação ambiental, como mostrou a geógrafa Ane Alencar, diretora de Ciência do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam). Das 2.185 unidades de conservação existentes no país, 301 estão na Amazônia, cobrindo cerca de 125 milhões de hectares, (75% de toda a área ocupada pelo total de UCs no Brasil). No território amazônico, elas representam uma fatia de 35% das terras e estão categorizadas em reservas extrativistas (Resex), florestas públicas e parques nacionais ou estaduais.
“As UCs têm sido uma barreira para o desmatamento, que em boa parte decorre de especulação para aquisição ilegal de terra. Quando o poder público cria uma Unidade de Conservação, está dizendo que aquela área será de gestão governamental. Isso acaba com as expectativas de especulação de terras”, explica Ane. Ela ressalta a existência de uma “rede de governança invisível” nas UCs amazônicas, onde mais de três mil organizações atuam na integração da governança ambiental com cadeias produtivas sustentáveis.
Um trabalho similar é desenvolvido na Mata Atlântica, onde a WWF Brasil lidera uma estratégia de valorização das áreas protegidas por meio do uso público, especialmente o ecoturismo, em ecossistemas marinhos e costeiros no sul da Bahia. Lá, o projeto encampa três parques nacionais terrestres, três reservas extrativistas, um refúgio de vida silvestre, e o Parque Nacional Marinho dos Abrolhos. Por lá, o visitante pode remar pelos manguezais de Canavieiras, fazer mergulho em Abrolhos, subir o Monte Pascoal com guias pataxós ou fazer cicloturismo no Parque Nacional do Pau Brasil.
A iniciativa deu tão certo que a replicação desse modelo é testada na Resex Tapajós-Arapiuns, no Parque Nacional da Amazônia e no Parque Nacional do Jamanxim, no Pará. “A ideia é que os visitantes enxerguem o valor das Unidades de Conservação para toda a sociedade”, explica Anna Carolina, líder de Inovação e Especialista em Conservação do WWF-Brasil e membro do time global de inovação da rede WWF.
Também no sul da Bahia, a atividade cacaueira desempenha um importante papel na manutenção da Mata Atlântica. Graças às lavouras em sistema cabruca, o cacau – um fruto amazônico – floresce em um método agroflorestal, de produção em consórcio com florestas nativas, o que oferece o sombreamento necessário ao fruto e cria, ao mesmo tempo, um verdadeiro corredor ecológico.
Na região amazônica, o Pará lidera a produção cacaueira, mas apesar da predominância do sistema agroflorestal de cultivo, Ricardo Gomes, gerente de Desenvolvimento Territorial no Instituto Arapyaú, lamenta o surgimento de várias áreas de cacau cultivadas a pleno sol. Ele acredita que é possível fomentar o modelo sustentável por meio da união entre governo, players do mercado de cacau e organizações da sociedade civil. “A partir dessa construção de estratégias em rede, alinhadas à agenda climática, à geração de renda e à oportunidade de inclusão produtiva, é possível viabilizar a atividade não só em comunidades mais favoráveis do ponto de vista logístico”, defende.
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