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Notas Amazônicas discute a força da literatura na construção do imaginário amazônico

Arte: Rakel Caminha

“Era um dia frio de uma sexta-feira
Lembro que preciso levar minha filha na rezadeira
Fica próximo à ponte 
Esquina com o cacau pirera 
Já botei meu jaraqui no fogo
Logo sai o almoço
Vou tomar um açaí para tirar o gosto

(…)

Sou ribeirinha mesmo
Filha de Dona Maria indígena coariense 
Com imigrante mato-grossense
Sou fruto da miscigenação
Me chame de filha do vento 
E deixe que eu me apresente”

— Rayane Lacerda, poetisa marginal, slamer e produtora cultural amazonense. 

Qual é o papel das percepções despertadas pela literatura na construção de imaginários amazônicos e até que ponto isso se conecta com o desenvolvimento da região? A partir dessa provocação, a segunda edição da série de webinars Notas Amazônicas, promovida pela iniciativa Uma Concertação pela Amazônia em parceria com a Editora Fósforo, a Livraria Travessia, de Belém (PA), e a Página 22, reuniu quem expressa sua conexão com a região por meio da palavra, no começo de junho. 

“Na Concertação, tentamos sempre buscar um equilíbrio entre a racionalidade e a sensibilidade. ‘Ver de fora, ver de dentro traz letras da Amazônia, sobre a Amazônia e para a Amazônia que nos ajudam a construir nosso imaginário coletivo sobre a região e entender a força desse imaginário para a conservação das florestas”, afirmou Lívia Pagotto, secretária-executiva da Concertação. A frase traz a poética e o título do encontro, moderado por Rafael Lutty, coordenador de curadoria da Livraria Travessia, entre Monique Malcher, escritora e artista plástica paraense, José Henrique Bertoluci, escritor, professor e doutor em sociologia paulista, e Rayane Lacerda, poeta e produtora cultural amazonense. 

“Quando se discute a Amazônia, o mais comum é abordar a parte física da região, seu bioma e sua biodiversidade. As letras trazem o tecido social para a pauta do desenvolvimento sustentável e nos ajudam a pensar na diversidade social e cultural da Amazônia”, explicou a também secretária executiva da Concertação, Fernanda Rennó, que apresentou o evento com Lívia Pagotto.

A primeira “nota amazônica” da tarde foi de Rayane, que retrata em suas poesias o cotidiano de ser uma mulher, mãe e trabalhadora em uma cidade da Amazônia — como o trecho que abre essa matéria. Diferente de Monique e José Henrique, Rayane ainda não tem livros publicados. Lutty, da Livraria Travessia, aponta a burocracia do mercado editorial como uma das causas que afasta escritores amazônidas independentes das prateleiras de livrarias nacionais. Segundo Rayane, os desafios são ainda maiores quando se é mulher. 

A literatura de Monique Malcher se coloca como um contraponto a esses desafios e evoca, em seu livro Flor de Gume, a vivência de três gerações de mulheres amazônicas. Ela contou que, quando era criança, “pensava que todos os livros do mundo tinham sido escritos por homens brancos mortos” e, por isso, não teria seus escritos lidos por outras pessoas. Ignorando o cenário predominantemente masculino, Monique se tornou escritora e hoje sua literatura é política e busca transportar os leitores diretamente para a Amazônia, “que é de natureza, que é de terra, que é de urbanidades”. 

Ver de fora

De São Paulo, o escritor José Henrique Bertoluci trouxe para o debate uma Amazônia construída a partir dos relatos do seu pai, que foi caminhoneiro na região, transportando material para a construção de rodovias, como a Transamazônica, ou levando carga para outras obras de infraestrutura. “As primeiras memórias que tenho da Floresta Amazônica, dos seus rios e estradas, de indígenas e ribeirinhos, vêm das histórias contadas por meu pai. Narrativas de suas viagens pela região ajudaram a compor meu vocabulário infantil, minha geografia sentimental, a mitologia de um país que parecia infinito.”

Bertoluci reforçou a importância desses debates, pois, para ele, existe uma cegueira e um desinteresse histórico no Sudeste, Sul e em grandes cidades litorâneas brasileiras em relação à riqueza natural e cultural da região. “Esse apagamento é responsável pela negligência política e econômica e pela baixa participação na construção de um projeto de país que respeite a sociobiodiversidade da Amazônia”, argumentou. 

Confira a cobertura completa na Página 22.

Assista ao segundo episódio da série de webinars Notas Amazônicas:

Fernanda Carpegiani

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