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O saldo da COP26 na visão do Arapyaú

A líder indígena e estudante de Direito Txai Suruí, da etnia paiter-suruí, criadora do Movimento da Juventude Indígena de Rondônia, discursou na abertura da COP26 sobre a urgência de ouvir os povos originários no debate das mudanças climáticas. Foto: Kiara Worth/UNClimateChange

A 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP26), que terminou no dia 13 de novembro após duas semanas de intensas negociações, trouxe alguns marcos importantes, mas também desapontamentos. Se, por um lado, a conferência conseguiu concluir o chamado Livro de Regras do Acordo de Paris, abrindo caminho para sua efetiva implementação, de outro, não teve êxito em assegurar financiamento para os países em desenvolvimento, principalmente nas agendas de adaptação e de perdas e danos causados pelas mudanças climáticas. 

Para além das negociações formais, o que se destacou nesta COP, na opinião dos representantes do Arapyaú, que foi a Glasgow na condição de observador, foi a forte participação da sociedade brasileira, do setor privado e de governos subnacionais, que mostraram amadurecimento em torno do debate climático, assinando acordos e apresentando planos para promover o desenvolvimento sustentável de baixo carbono. A presença de jovens e povos indígenas e tradicionais demandando justiça climática também foi marcante – só do Brasil, foram cerca de 40 representantes de povos indígenas de todos os biomas. E o anúncio de acordos de princípios e compromissos em prol de florestas e da redução de emissões de metano, envolvendo grandes grupos privados e dezenas de países desenvolvidos e em desenvolvimento, foram recebidos de forma positiva, com repercussões importantes para o Brasil.

A Declaração de Florestas, assinada na primeira semana da Cúpula do Clima por mais de 100 lideranças empresariais e de governos, promete deter e reverter o desmatamento e a degradação florestal até 2030, com a alocação de US$ 19,2 bilhões para iniciativas que vão nessa direção. O Brasil aderiu ao acordo, que trouxe um avanço importante no contexto de reconhecimento do valor das florestas para o desenvolvimento econômico e para a geopolítica, conceito totalmente em linha com as propostas do documento que a iniciativa Uma Concertação pela Amazônia lançou no dia 9 de novembro, em Glasgow. 

Um dos pilares da Declaração está na conciliação da produção de commodities e de alimentos com a conservação, criando oportunidades de mercado para sistemas de cultivo que preservam a floresta nativa, como o do cacau cabruca, por exemplo.

O acordo pode resultar em uma maior valorização do cacau do sul da Bahia, que é cultivado no sistema cabruca. Esse é um modelo produtivo que enfrenta grandes desafios de viabilidade econômica, pois acaba sendo menos rentável que o modelo tradicional, que não conserva. Em um cenário pós-COP, o cacau desta região pode ganhar bastante competitividade.”

Thais Ferraz, gerente executiva do Arapyaú

O Acordo Global do Metano, em que mais de 100 países (Brasil inclusive) se comprometeram a reduzir emissões desse gás em 30% até 2030 em relação a 2020, também representou um avanço nessa agenda. Na visão de Roberto Waack, presidente do conselho do Arapyaú e um dos fundadores da Concertação, esse acordo também se encaixa às propostas da iniciativa tanto para as Amazônias em transição (Arco do Desmatamento) e para as Amazônias já convertidas, voltadas essencialmente para a produção de commodities agrícolas e minerais.

Dois anos de expectativa desde a última COP

Adiada por um ano em função da covid-19, a COP26 tinha como prioridades assegurar a neutralidade climática global (global net zero) até 2050, promover adaptação aos impactos das mudanças climáticas, mobilizar financiamento para atingir esses objetivos e finalizar o livro de regras do Acordo de Paris.  

Dentro desse cenário, um resultado importante desta edição está no fato de que o Pacto de Glasgow traz, pela primeira vez em um documento desse tipo, a menção à redução gradual de energia baseada no carvão e à eliminação gradual de subsídios a combustíveis fósseis. 

A Cúpula concluiu as negociações em torno do Artigo 6, que trata do mercado de carbono, finalizando, assim, o livro de regras do Acordo de Paris. Foram definidas regras para transferência e contabilidade de créditos de carbono entre os países, embora ainda haja muito a ser feito para sua implementação. Não houve, porém, consenso para elegibilidade de créditos decorrentes de conservação (REDD+). 

O ponto mais crítico desta COP – que deixou muitas organizações e países frustrados – foi a questão do financiamento. O compromisso dos países desenvolvidos de proverem recursos da ordem de US$ 100 bilhões por ano a partir de 2020 para os países em desenvolvimento promoverem ações contra a crise climática não foi cumprido e acabou sendo encaminhado como um grupo de trabalho. Também ficaram aquém do esperado o debate sobre fundos voltados para adaptação e para perdas e danos de países mais vulneráveis às mudanças do clima.

Além disso, ficou evidente que as atuais metas climáticas dos países (NDCs) para mitigação e redução de emissões de gases de efeito estufa apontam para um cenário de aquecimento de 2,4 oC, muito distante do 1,5 oC previsto no Acordo de Paris. Os países concordaram em trabalhar coletivamente para reduzir essa diferença e, pelo Pacto de Glasgow, eles devem atualizar e ampliar a ambição de suas NDCs para 2030 até o fim de 2022, de forma a alinhá-las com o objetivo do 1,5 oC. 

Participação brasileira

O Brasil, que chegou à COP com uma imagem debilitada e de baixa credibilidade, mostrou um Itamaraty mais atuante para evitar mais danos à reputação do país e empenhado na busca de consensos. Tanto que mostrou uma posição mais flexível, por exemplo, com relação ao Artigo 6, o que contribuiu para a finalização do Livro de Regras do Acordo de Paris.

Já a participação da sociedade brasileira foi bastante significativa, mostrando-se plural, diversa e bem articulada. O Brazil Climate Action Hub, montado por organizações da sociedade civil, foi palco de inúmeros debates em torno de temas como juventude, justiça climática, Amazônia, financiamento, energia e cidades. 

Iniciativas como a Uma Concertação pela Amazônia, a Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura e a Clima e Desenvolvimento, que contam com o envolvimento do Instituto Arapyaú, levaram à COP26 suas agendas, apresentando documentos, propostas concretas e debates relevantes. “Esta COP foi um marco para a Concertação, pois consolidou a atuação da iniciativa e também pautou novas frentes de trabalho”, explica Renata Piazzon, gerente do programa de Mudanças Climáticas do Arapyaú e secretária-executiva da Concertação. As propostas apresentadas pela sociedade brasileira foram embasadas na ciência e elaboradas a partir de intensos diálogos prévios com os diversos setores da sociedade, para apontar possíveis caminhos e soluções para a construção de um modelo de desenvolvimento para o Brasil, que contemplem a mitigação das mudanças climáticas, a prosperidade econômica dentro de uma lógica de baixo carbono, a inclusão social e melhor qualidade de vida para toda a população.

Carmen Guerreiro

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