Trabalho das mulheres no campo vira créditos de empoderamento
Mulheres do Assentamento Nova Vitória (Ilhéus/BA) discutem investimentos dos créditos de empoderamento feminino. Crédito: acervo.
Produção de doces em compota, sabonetes artesanais, criação de galinhas e desidratação de frutas. Essas foram algumas das ideias que surgiram no encontro do grupo de mulheres do Assentamento Nova Vitória, em Ilhéus, no dia 7 de fevereiro, para investir coletivamente um recurso de R$10 mil. O valor, fruto da venda de créditos de empoderamento feminino, é parte de uma iniciativa pioneira no Brasil, que utiliza o Padrão W+, metodologia desenvolvida pela Women Organizing for Change in Agriculture and Natural Resource Management (WOCAN). O método cria valor social por meio de seis indicadores: Poupança de tempo; Saúde; Educação e Conhecimento; Segurança alimentar; Renda e Ativos; e Liderança.
O encontro aconteceu no salão onde, um dia, deverá funcionar uma casa de farinha, projeto sonhado pela comunidade há anos. O recurso obtido com a venda dos créditos é um marco para essas mulheres, que agora planejam como transformar a quantia em novas oportunidades de geração de renda e desenvolvimento comunitário.
Como Funciona o Padrão W+
Para gerar os créditos, é necessário medir o empoderamento feminino, analisando dados coletados em projetos e comunidades. No caso do Assentamento Nova Vitória e de outros quatro assentamentos no sul da Bahia, os créditos foram gerados a partir dos resultados alcançados por meliponicultoras beneficiadas pelo Projeto Uruçu na Cabruca (da Tabôa Fortalecimento Comunitário) e por agricultoras que participaram do primeiro CRA Sustentável do Brasil — projeto de microcrédito desenvolvido pelo Instituto Arapyaú e pela Tabôa em parceria com outras organizações. O CRA beneficiou mais de 270 famílias produtoras de cacau em sistemas agroflorestais na região.
“Existem vastas evidências que mostram que as mulheres não só gerenciam melhor as propriedades, mas também investem os rendimentos adicionais em benefício das próprias comunidades e das famílias”, destaca Vinícius Ahmar, gerente de Bioeconomia do Arapyaú. Essa capacidade de gerar impacto positivo é justamente o que o Padrão W+ busca valorizar e monetizar.
A metodologia de mensuração, venda e distribuição dos créditos foi aplicada pela desenvolvedora de impacto ERA Brazil no Tocantins e, com o apoio do Arapyaú e da Tabôa, no sul da Bahia. Sophie Simmons, coordenadora W+ da ERA, explica que cada crédito representa uma melhoria de 10% na qualidade de vida de uma mulher e é negociado por US$20. “Assim como no mercado de carbono, o custo pode variar dependendo da demanda. Mas, nessa rodada piloto, vendemos 2.424 créditos a US$20 cada”, detalha. A parte destinada à Bahia será compartilhada entre comunidades femininas de cinco assentamentos da reforma agrária.
Sonhos e realizações
Ailana Reis, presidente da associação dos assentados de Nova Vitória, conta que a comunidade recebeu com entusiasmo a notícia da chegada do recurso. “Há dois anos, respondemos a um questionário trazido por Sophie e, alguns dias depois, cada uma recebeu R$15. Por isso, há uma brincadeira entre nós de que Sophie é a ‘moça do quinze’. Se aqueles R$15 já foram uma surpresa agradável, imagine essa novidade dos R$10 mil?”, comemora. A agricultora também compartilha o sonho de ver, finalmente, a casa de farinha iniciada em 2007 em pleno funcionamento. “A cada projeto que aumenta nosso conhecimento e nossa capacidade de gerar renda, chegamos mais perto desse objetivo”, diz.
Desafios e oportunidades
Investir no desenvolvimento das mulheres por meio do aumento de renda, patrimônio, conhecimento e saúde é valorizar seu bem-estar e reconhecer sua importância para a produtividade e sustentabilidade no campo. No entanto, a negociação de créditos de empoderamento feminino ainda é uma novidade no mercado global. “O principal desafio está na comercialização desses créditos. O volume de vendas ainda é muito baixo, e o mercado está longe de ser consolidado. Existem empresas que demonstram interesse, inclusive alinhando-se a políticas de boa governança e sustentabilidade, mas ainda não há um mercado estruturado ou uma divulgação ampla sobre iniciativas como essa”, pontua Victor Ferraz, coordenador de Projetos de Bioeconomia do Instituto Arapyaú. “O grande desafio é garantir que a venda desses créditos gere um retorno tangível para as mulheres beneficiadas.”
A aplicação do Padrão W+ nos projetos do Arapyaú permite remunerar um serviço que, muitas vezes, passa despercebido: o impacto social gerado pelo trabalho das mulheres no campo. Vinícius Ahmar traça um caminho circular para o desenvolvimento sustentável das cadeias produtivas.
“Primeiro, trabalhamos com o crédito para a mulher, oferecendo também assistência técnica. Com isso, ela consegue melhorar a produtividade e aumentar sua renda. Em segundo lugar, essa renda maior, aliada aos ganhos de produtividade, nos permite mensurar os impactos específicos gerados para as mulheres e, a partir disso, emitir os créditos de empoderamento. Quando esses créditos são vendidos, as mulheres recebem uma renda adicional. Como as mulheres tendem a investir de forma mais significativa em suas comunidades, famílias e plantios, o impacto positivo é ainda maior. É um ciclo virtuoso que entendemos ser essencial fomentar e expandir.”
– Vinicius Ahmar, gerente de bioeconomia do Arapyaú.
Próximos Passos
Superados os desafios iniciais, os próximos passos da parceria entre Arapyaú e o Programa W+ incluem ampliar a escala das operações. “Queremos levar esse serviço para outros biomas, outras cadeias produtivas e manter esse ciclo virtuoso girando”, completa Vinícius. Enquanto isso, no Assentamento Nova Vitória, as mulheres seguem planejando o futuro, mostrando que, com recursos e oportunidades, é possível trabalhar para transformar sonhos em realidade.