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Um novo protagonismo indígena: “Nunca mais um Brasil sem nós”

Foto: Genilson Guajajara

Nós não somos o que, infelizmente, muitos livros de História ainda costumam retratar. Se, por um lado, é verdade que muitos de nós resguardam modos de vida que estão no imaginário da maioria da população brasileira, por outro, é importante saber que nós existimos de muitas e diferentes formas.”

Sonia Guajajara, ministra dos Povos Indígenas

Foi com esse trecho do discurso de Sonia Guajajara, ao assumir o recém-criado Ministério dos Povos Indígenas, que a iniciativa Uma Concertação pela Amazônia abriu sua primeira plenária do ano e trouxe para discussão as temáticas prioritárias para uma política indigenista no novo contexto político do Brasil e as formas que diferentes setores da sociedade podem contribuir para o fortalecimento desse debate. O recado da ministra, “nunca mais um Brasil sem nós”, guiou todo o encontro.

Na fala de abertura da conversa, conduzida em sua maior parte por lideranças indígenas, a secretária de Gestão Ambiental e Territorial do MPI, Ceiça Pitaguary, destacou que a criação do ministério é uma inovação, uma ousadia e também uma possibilidade de os representantes indígenas mostrarem que sabem fazer gestão, coordenar e estar à frente da política indigenista. Segundo a secretária, o maior desafio do novo ministério é se fazer entender e seguir em um diálogo constante, respeitando as pluralidades e garantindo efetividade das políticas indigenistas. 

“Cada povo tem sua maneira própria de se organizar e de gerenciar seu território. Não tem um modelo ou uma cartilha que você vai seguir para todos os povos”, afirmou Ceiça. “O ministério vem com essa proposta de ouvir as comunidades. Temos que ouvir os parentes”, acrescentou. Segundo o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), existem 256 povos originários no Brasil, falantes de mais de 150 línguas.

“Agora fazemos parte de um governo que tem que dar certo, para que esse não seja um Ministério transitório, que dure um governo”, disse Ceiça. Segundo a secretária, a efetividade do MPI vai passar pela articulação entre ministérios e pelo apoio da sociedade civil na consolidação e criação de alternativas para manter os territórios indígenas e para garantir que as reparações históricas cheguem à comunidade.

Secretária dos Povos Indígenas do estado do Pará, Puyr Tembé destacou que o momento é de reconstrução das políticas públicas e de reconquista dos direitos dos povos indígenas que se perderam nas últimas gestões federais e de estado. “O Ministério poderia estar caminhando em tantas outras coisas, mas está tentando salvar vidas.” Puyr reforçou que a criação do ministério foi uma vitória não só de todos os povos indígenas do Brasil. “É um ganho compartilhado. Nosso e da sociedade brasileira que nos apoiou.”

Alertando para o fato de que existem comunidades da Amazônia sem escolas, Wanda Witoto, professora e ativista, defendeu a criação de uma secretaria de educação indígena dentro do Ministério da Educação. “Quando a gente amplia a discussão de justiça climática, abrange toda a dificuldade de acesso à dignidade mínima, como à escola, à água potável, ao rio, ao território, ao alimento”. 

Ativista ambiental e fellow do Instituto Arapyaú, Samela Sateré Mawé também reforçou que o envolvimento de outros setores na luta pelas pautas indígenas é indispensável.

“Agora temos uma estrutura que nunca tivemos: uma ministra dos Povos Indígenas, deputadas federais, várias indígenas que estão nas secretarias dos estados. E sei que teremos mais representantes dentro desses espaços. Mas, para que a gente faça essa construção, precisamos do apoio tanto da sociedade civil quanto das empresas que estão dispostas a nos ajudar a defender nossos territórios e a manter nossos direitos garantidos.”

Samela Sateré Mawé, ativista ambiental e fellow do Instituto Arapyaú

Como é próprio da Concertação, o encontro trouxe ainda uma dimensão mais sensível, presente no trabalho do fotógrafo Genilson Guajajara. “Eu tento fazer com que as pessoas que olham (as fotografias) sintam o território por um instante. O objetivo é fazer com que as pessoas reflitam sobre como a gente sente e vive nosso território, porque ele é parte do nosso corpo”, explica. “O meu trabalho, além de mostrar a luta e cultura do meu povo, quer conscientizar as pessoas a cuidarem do espaço em que elas vivem.”

Em meio a discussões sobre a importância de tornar perene o Ministério e uma política indigenista robusta, Francisco Gaetani, secretário extraordinário para a Transformação do Estado do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, defendeu que esse processo depende de uma transformação. “Se não mudarmos o entendimento da sociedade em relação aos povos indígenas, em uma alternância de poder, isso (MPI e política indigenista) colapsa e cai, como muitas políticas com mais história e maior robustez colapsaram”, diz. “O maior desafio é a sociedade brasileira se apropriar do que está acontecendo e se apropriar da importância para o Brasil de valorizar a atuação junto aos povos originários”. 

Na leitura do secretário, esse é um desafio em que população e governo precisam atuar em conjunto. “As atuações institucionais, legais, financeiras e orçamentárias, isso o governo atual tem o compromisso e vai honrar dentro das possibilidades”, garante. “A parte ideológica, da disputa de narrativas, da compreensão pela sociedade, isso tem que fazer parte da escola, do discurso político e do discurso da identidade nacional. Estamos muito longe disso ainda.” 

Conexão Povos da Floresta

O aumento da representatividade dos povos originários, quilombolas e ribeirinhos passa também pela discussão sobre conectividade. O acesso à internet na região amazônica é crucial para fortalecer a organização socioprodutiva, para a efetividade de políticas públicas (especialmente de saúde e de educação), para o monitoramento do desmatamento, entre muitas outras questões. Em função dessa importância, o encontro abordou ainda o projeto Conexão Povos da Floresta, que quer levar internet rápida, dentro de três anos, para territórios protegidos nas florestas da Amazônia Legal. 

Com o apoio institucional, administrativo e de captação do Instituto Arapyaú, o projeto vai além da garantia da infraestrutura. “O Conexão envolve também programas de telemedicina, educação digital, proteção territorial, cultura e ancestralidade e empreendedorismo e inclusão financeira”, detalhou Tasso Azevedo, coordenador da rede MapBiomas e idealizador do Conexão Povos da Floresta. A iniciativa conta com vários parceiros liderados pela Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), CONAQ (Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos) e CNS (Conselho Nacional das Populações Extrativistas).

O projeto está implementando equipamentos e pontos de acesso à internet com fontes de energia renováveis. Até então, quatro pontos foram instalados em terras indígenas e, nas próximas semanas, serão feitos testes das aplicações. O objetivo é fazer mil instalações até o fim de 2023. “Hoje botamos quatro aldeias online. É só o início do projeto e esperamos que até o final do ano estejamos todos conectados”, disse Paulo Tukano, liderança indígena na COIAB.

Leia a cobertura completa da primeira plenária da Concertação pela Amazônia na Página22.

Fernanda Carpegiani

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