Com o propósito de consolidar a ponte entre prosperidade econômica, uma transição justa e inclusiva e discutir diferentes formas de financiar iniciativas necessárias para fazer frente às mudanças climáticas, a cidade de São Paulo recebeu no fim de fevereiro, o primeiro Fórum Brasileiro de Finanças Climáticas.
O fórum faz parte do G20 Social e é uma realização conjunta do Instituto Arapyaú, Instituto AYA, Instituto Clima e Sociedade (iCS), Instituto Igarapé, Instituto Itaúsa, Open Society Foundations e Uma Concertação pela Amazônia. Realizado entre os dias 26 e 27 de fevereiro, o evento antecedeu a reunião de cúpula do G20, presidido pelo Brasil. Todas as conclusões do evento serão entregues aos líderes do G20 como recomendações sobre alternativas de financiamento climático.
Em diálogo com o Plano de Transformação Ecológica do Ministério da Fazenda e outras iniciativas governamentais, os participantes discutiram desde o financiamento climático internacional até aspectos econômicos da mudança do sistema alimentar, passando pelo estreitamento da relação entre finanças e natureza, reindustrialização verde e transição energética. Foram abordados modelos financeiros para a transformação ecológica do Brasil, mecanismos e desafios para impulsionar investimentos verdes na Amazônia, oportunidades para ampliar o financiamento de soluções baseadas na natureza no país e a promoção da bioeconomia como uma relevante estratégia de enfrentamento da crise climática, além do pagamento por serviços ecossistêmicos e a reforma da arquitetura do sistema financeiro internacional.
A estreia do fórum contou com a participação, presencial e virtual, de mais de duas mil pessoas, interessadas em entender e contribuir com a inadiável transição energética. Autoridades nacionais e internacionais, lideranças indígenas, representantes da sociedade civil, dos governos, da filantropia, da imprensa, da iniciativa privada e do setor financeiro puderam se encontrar e fazer provocações quanto aos modelos de investimento e financiamento existentes e a melhor forma de aplicá-los.
Um dos alertas dado pelos painelistas foi a urgência de direcionar recursos para projetos que tenham um impacto tangível na redução de emissões de carbono e na promoção de tecnologias sustentáveis.
“É preciso que a gente crie condições para que os investimentos na economia de baixo carbono gerem retorno financeiro, e esses negócios prosperem ao mesmo tempo que conservem a floresta e gerem renda para quem nela vive. Dar conta dessa viabilidade econômica é garantir segurança alimentar, climática e a transição energética do país”, defendeu Renata Piazzon, diretora-geral do Instituto Arapyaú, em sua fala na abertura do fórum.
O primeiro dia de painéis jogou luz sobre a atuação das governanças mundiais, que detêm poder regulatório e econômico substancial e fundamental na condução da transição para uma economia verde. As conversas abordaram a importância de haver mais colaboração entre os governos de grandes economias para enfrentar os desafios das mudanças climáticas, com a adoção de políticas públicas de energias renováveis, a implementação de incentivos fiscais para práticas sustentáveis e o estabelecimento de metas claras de redução de emissões de carbono.
“Temos que conversar de forma transparente sobre os desafios do G20 porque hoje existe um problema de credibilidade desse grupo. Como é possível que países ricos, que têm 80% da população global, 75% da exportação e 80% da emissão de gases de efeito estufa, ainda não tenham sido capazes de resolver os problemas da humanidade, como fome, saneamento e reflorestamento?”, indagou Sandra Guzmán, fundadora e coordenadora geral do Climate Finance Group para a América Latina e o Caribe.
A importância do engajamento do setor privado na promoção e no financiamento de iniciativas voltadas à descarbonização também foi tema dos diálogos. “Nós queremos empresas que tenham impacto positivo na sociedade. Precisamos de projetos grandes, e isso só acontece se trabalharmos juntos. As pessoas têm que realmente fazer o que falam. A principal crise que temos que superar é a de liderança, e não há país que possa liderar melhor que o Brasil. Vocês são o país do futuro hoje”, afirmou o líder empresarial e ativista Paul Polman no primeiro dia de evento.
Financiamento climático na ponta
Convidada a integrar o painel “Amazônias, limites planetários e as finanças da natureza: contribuições regionais para a melhoria da qualidade de vida local e a segurança climática global”, Bruna Lima, representante do Grupo de Trabalho (GT) Juventudes de Uma Concertação pela Amazônia, quis provocar a plateia ao trazer o seguinte dado: menos de 1% da ajuda internacional para lidar com as mudanças climáticas chegou diretamente para as comunidades tradicionais e povos indígenas nos últimos dez anos, segundo estudo publicado pela Rainforest Foundation Norway.
“Vemos hoje um grande esforço para aumentar o volume de recursos, mas isso não está chegando para quem realmente precisa. Não é só inovação que a gente precisa trazer, mas estruturação. Acho que esse é um dos grandes desafios”, disse Bruna.
As conversas giraram em torno de como criar soluções que canalizem os recursos financeiros de maneira eficaz e equitativa. Os painelistas concordaram que é preciso que os recursos cheguem na ponta, garantindo que grupos vulneráveis e historicamente fora dos centros de discussões, como comunidades tradicionais e populações indígenas, sejam devidamente inseridos nas tomadas de decisão e contemplados pelos financiamentos.
“Não podemos continuar perpetuando e reproduzindo uma questão que já vem sendo imposta para a Amazônia desde sempre, que é ignorar os atores locais e passar com os processos por cima deles”, afirmou Hannah Balieiro, diretora-executiva do Instituto Mapinguari, presente no mesmo debate que ocorreu no segundo dia do encontro.
A bioeconomia e suas pluralidades
O Arapyaú também co-realizou o painel “As Bioeconomias do Brasil: oportunidades no contexto global”. Renata Piazzon falou do papel da filantropia para impulsionar modelos de negócio que equilibrem conservação da natureza e retorno financeiro.
“O papel da filantropia é de capital ágil, paciente e propenso a testar novos modelos. Hoje, temos bons exemplos para mostrar que cacau, castanha e açaí são negócios da bioeconomia que geram lucro”, afirmou.
O painel apontou que o fortalecimento das bioeconomias poderá ser crucial para a proteção da Amazônia e suas comunidades e também são uma oportunidade estratégica para o país, dada a diversidade de suas aplicações em diferentes setores.
“Eu não entendo como que o homem branco quer vencer a crise climática sem a natureza, sem falar de natureza. A gente está falando de outra coisa, não está aproveitando as soluções de verdade, porque não tem que se inventar mais tecnologia. Essas tecnologias já existem, elas já estão sendo colocadas em prática nos territórios indígenas”, indagou Txai Suruí, ativista indigena do povo Paiter Suruí, ao falar no encerramento do fórum.