
Há dez anos, pesquisadores, organizações da sociedade civil e empresas de tecnologia se reuniram em São Paulo com um propósito ambicioso: produzir informações detalhadas e acessíveis sobre o uso e a cobertura da terra no Brasil. Assim nasceu o MapBiomas, uma rede colaborativa que tem a missão de democratizar dados ambientais, apoiar políticas públicas e ampliar o conhecimento sobre as transformações no território brasileiro.
Incubado pelo Instituto Arapyaú, o MapBiomas construiu, em uma década de atuação, a mais completa série histórica sobre uso e cobertura da terra no país, ampliou seu alcance para outros continentes e se consolidou como referência global em ciência colaborativa. Em entrevista, Julia Shimbo, coordenadora científica da iniciativa, destaca os marcos do projeto, sua contribuição para políticas públicas e para a sociedade civil, além dos desafios de monitorar um planeta em cada vez mais rápida transformação.
O MapBiomas completou 10 anos em agosto. Quais são os principais marcos dessa trajetória?
O primeiro grande marco é a série temporal, já temos 10 coleções de mapas anuais de cobertura e uso da terra no Brasil, com dados que contam quatro décadas de transformação do território. Além disso, surgiram outros produtos, como o MapBiomas Alerta (com alertas de desmatamento de vegetação nativa em todos os biomas brasileiros), Água e Fogo. Outro marco é a expansão da rede para outros países da América do Sul, Indonésia e África. Hoje, o MapBiomas vai muito além do objetivo inicial de gerar mapas anuais, detalhados e consistentes, ele se diversificou em produtos e em alcance geográfico, sempre de forma colaborativa e aberta.
Como se construiu essa articulação para levar o MapBiomas a outros países?
Começou em alguns biomas específicos, como Amazônia, Mata Atlântica e Pampa, em parceria com instituições locais interessadas em mapeamento colaborativo com organizações de outros lugares. Aos poucos, se expandiu para a cobertura completa de países e depois para novas regiões. Hoje, onde há interesse local e capacidade de colaboração, o MapBiomas se conecta e cresce.
E no Brasil, de que forma os mapas ajudaram a mudar o entendimento sobre o uso e cobertura do solo?
Antes do MapBiomas, havia basicamente dados sobre desmatamento, sem detalhar o que acontecia depois. Nós trouxemos informações sobre transições e usos posteriores, como agricultura, pastagem, mineração, e também sobre vegetação nativa, florestas, áreas não florestais, água e áreas urbanas. Isso permitiu enxergar transformações em todos os biomas, comparando regiões, estados, municípios e áreas protegidas. Hoje, só no Brasil, trabalhamos com 30 classes de mapeamento. Essa base já gerou mais de quatro mil artigos científicos, em áreas que vão de mudanças climáticas à agricultura, saúde, biodiversidade e planejamento urbano.
Por que a democratização de dados é algo tão importante para vocês?
Porque acreditamos em uma nova forma de fazer ciência, com dados e métodos abertos. Isso permite um impacto maior e mais rápido em temas urgentes, como clima e conservação. Além disso, os usuários também colaboram, trazendo feedbacks e novas demandas. É uma ciência colaborativa, de fato, não apenas dentro da rede, mas com todas as pessoas e instituições que usam e organizam dados.
Há exemplos de como os dados do MapBiomas têm sido usados pelo poder público, pelo setor privado e pela sociedade, como um todo?
Sim, monitoramos mais de 400 instituições que utilizam os dados em tomadas de decisão. Bancos, por exemplo, usam o MapBiomas Alerta para analisar concessão de crédito rural, o setor agropecuário se apoia nos dados para monitorar mudanças em propriedades, e órgãos como IBAMA, ICMBio e secretarias estaduais também utilizam nossos mapas. Criamos até o Prêmio MapBiomas para reconhecer usos inovadores, em categorias que vão de políticas públicas a escolas. Um caso marcante foi o de uma professora de matemática que usou nossos gráficos em sala de aula, mostrando como a ciência pode chegar ao cotidiano.
Como vocês estão se preparando para lidar com os desafios futuros, como o avanço das mudanças climáticas e a necessidade crescente de monitoramento em tempo real?
As mudanças climáticas estão na origem do MapBiomas. Nossos mapas ajudam a estimar emissões de gases de efeito estufa e também a observar impactos do clima no território, como secas na Amazônia e no Pantanal, enchentes no Sul ou incêndios florestais em anos mais secos. Recentemente, criamos um grupo de trabalho sobre emergência climática para produzir notas técnicas em situações críticas. Ainda este ano, lançaremos novos produtos nessa linha.
E quais são os próximos passos do MapBiomas? Há novas frentes de pesquisa, tecnologias ou temas em desenvolvimento?
Estamos desenvolvendo o MapBiomas Atmosfera, que relaciona dados climáticos e de poluentes ao uso da terra. Também avançamos em ferramentas de risco climático e em mapeamento de áreas de deslizamento. Outro desafio é integrar inteligência artificial para tornar o mapeamento mais rápido e preciso. Além disso, estamos expandindo para outros países: já atuamos em 14 e a meta é, até 2030, mapear 70% das florestas tropicais do mundo em parceria com instituições locais. Novos produtos também virão, como mapeamentos de degradação, lixões e carbono.