Mariano Cenamo nasceu em São Paulo, mas, depois que colocou os pés na Amazônia pela primeira vez, praticamente não saiu mais de lá. Tudo começou na faculdade de engenharia florestal, onde conseguiu um estágio para a conclusão do curso em Manaus. Aos 23 anos, mudou-se para a região, a convite de um ex-professor, que o incentivou a ficar para ajudar a transformar a realidade daquele território. Em 2004, fundou o Idesam – Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia, uma organização de espírito inovador que tem o objetivo de promover cadeias de valor e negócios sustentáveis para a conservação e restauração de florestas na região.
“Naquela época, a maioria das ONGs trabalhavam com pesquisa e conservação na perspectiva de separar a preservação do meio ambiente do contato com o ser humano. Nossa proposta, por outro lado, sempre foi promover o desenvolvimento social e econômico a partir do uso de produtos e serviços ambientais gerando renda para as comunidades que conservam a floresta. Nos aproximamos de empresas e investidores, com propostas de negócios em agroflorestas e créditos de carbono, criamos um programa de incubação e aceleração de negócios de impacto e hoje fomentamos outras organizações e empreendedores”, conta Mariano. Novo fellow do Instituto Arapyaú, ele detalha nesta conversa sua visão sobre desenvolvimento sustentável e as oportunidades e gargalos do Brasil nessa área.
Que possibilidades de troca você vê nessa experiência como fellow do Arapyaú? Quais são as suas expectativas?
Espero poder conectar mais o Arapyaú com o crescente ecossistema de negócios de impacto da região para ajudar na construção de diferentes estratégias para a bioeconomia na Amazônia. Ao trazer um pouco da nossa vivência com desenvolvimento de negócios na ponta, no território, espero poder orientar políticas e programas do Instituto. É também uma oportunidade de conectar, construir pontes entre empreendedores locais e organizações que atuam com cadeias de conservação e restauração de florestas, especialmente numa rede tão forte e diversa que o Arapyaú estabeleceu em âmbito nacional.
Por que é tão importante trabalhar o desenvolvimento sustentável diretamente nos territórios?
Existe uma distância muito grande entre as políticas públicas, programas e metas corporativas de ESG e organizações que fazem advocacy em nível nacional e as organizações locais que estão diretamente na linha de frente implementando projetos de conservação de florestas e promovendo o desenvolvimento de comunidades na Amazônia. Acredito que, em geral, os brasileiros precisam conhecer mais profundamente a Amazônia, seus problemas e soluções. Existem excelentes oportunidades de negócio para se trabalhar com o desenvolvimento de cadeias de valor junto a associações e empreendedores locais, pequenos negócios, incubadoras e aceleradoras, centros de pesquisa e inovação. É lá no campo que a ação acontece.
Nós estamos passando por um momento crítico, temos uma janela de oportunidade única para provar que é possível construir uma nova economia para a Amazônia. E isso não vai acontecer apenas a partir de estudos e relatórios, que, já há algum tempo, provam que existe um enorme potencial para a conservação desse bioma posicionar melhor o Brasil como liderança no cenário político e comercial internacionalmente. No entanto, precisamos nos mover mais rápido e gerar resultados na prática. Se não movimentarmos a economia local, tudo irá por água abaixo. É preciso criar volume de negócios, receitas e empregos a partir da bioeconomia, transformando para melhor a vida de comunidades tradicionais, pequenos produtores rurais e povos indígenas. Existem pouquíssimos projetos gerando resultados reais e concretos na prática. A nova economia se constrói a partir do sucesso de empreendedores e negócios de impacto. E esses negócios precisam ter as populações locais como protagonistas.
Quais são os principais desafios do Brasil para converter esse potencial em realidade?
Nosso maior desafio é provar que é possível para os grandes tomadores de decisão em nível nacional (políticos, bancos e grandes empresas). É preciso acreditar que podemos transformar nossa economia a partir da Amazônia. Um amigo uma vez me disse que a Amazônia é o Vale do Silício do Brasil. Eu tenho certeza disso, dá para aumentar a participação da Amazônia no PIB brasileiro gerando renda, prosperidade e desenvolvimento a partir da restauração e conservação das florestas. O projeto é de longo prazo, mas precisa começar agora. Na verdade, já estamos começando. Há pequenos projetos apontando o caminho, mas precisamos de uma escala enorme para fazer isso acontecer. O ganho de escala se dará por meio de centenas de startups e novos negócios espalhados na região. Não podemos sonhar com uma ou duas grandes empresas “salvadoras da pátria”. A economia do mundo caminha cada vez mais para a descentralização e compartilhamento, e isso é fundamental numa região tão extensa e diversa como é a Amazônia.
Qual o papel da filantropia nesse cenário?
No Brasil, as políticas públicas demoram para gerar resultados e, infelizmente, correm o risco de mudar a cada quatro anos. A filantropia tem a capacidade única e especial de testar conceitos, desenvolver projetos e gerar resultados e aprendizagem de forma rápida e eficiente. Acredito que a filantropia poderia apenas aumentar um pouco sua ambição e assumir mais riscos a longo prazo. Com raras exceções, a filantropia brasileira atua de forma pontual e em curto prazo, financiando advocacy, políticas públicas e estudos, que são muito importantes, mas sempre muito sujeitos a mudanças e à falta de sustentabilidade financeira a longo prazo. Eu adoraria ver apostas em projetos mais estruturantes com duração de cinco a 10 anos, por exemplo, que vão gerar transformação sistêmica, mudando a vida das pessoas, construindo negócios para uma nova economia. No atual momento de crise climática, é preciso apostar alto e tomar mais riscos, pois é a vida na Terra que está em jogo.
E de que forma a parceria entre filantropia e mercado, por meio de instrumentos como o blended finance, por exemplo, podem ajudar?
O blended finance é fundamental para construir esse ecossistema e uma nova economia. Existem empresas e investidores interessados em colocar dinheiro na Amazônia, mas falta um pipeline de projetos e negócios prontos para investimento. A dificuldade é que temos um ambiente de negócios abundante em atividades ilegais e muitos desafios estruturais. A filantropia pode entrar construindo esse pipeline, reduzindo custos e riscos e atraindo o capital para os negócios da floresta. É a isso que tenho me dedicado diariamente.
O Idesam já nasceu, ainda em 2004, com a proposta de desenvolvimento por meio de créditos de carbono, uma expressão que só passou a ser um pouco mais popular em 2021, na COP26. Qual o potencial desse mercado para o Brasil e o que falta para que ele seja implementado?
O potencial é enorme. Seguramente, é nossa melhor oportunidade para atrair investimentos para a região no curto e médio prazo. No entanto, apesar do momento favorável, ainda enfrentamos desafios. Para o mercado de carbono crescer e se tornar realmente relevante, falta ainda ambição por parte do setor privado e vontade política dentro do governo. As metas de redução de emissões precisam ser mais ousadas e o ambiente regulatório mais favorável. A utilização de créditos de carbono ou “offsets” [a compensação de emissões por meio do financiamento de projetos de reflorestamento ou energia renovável] é uma estratégia fundamental para ajudar as empresas a reduzir sua pegada de carbono e, ao mesmo tempo, viabilizar a restauração e a conservação de florestas, promovendo, assim, uma transformação na economia local. É uma solução para mitigar a crise climática e, ao mesmo tempo, a oportunidade de construir uma nova economia para a Amazônia.