A reunião de chefes de Estado de nações amazônicas no início de agosto em Belém, no Pará, para a Cúpula da Amazônia, marcou o nascimento de uma novidade no cenário geopolítico global: a união de forças em torno da floresta como ativo político e econômico.
Ao fim do encontro, ganhou repercussão a ausência de compromissos concretos para zerar o desmatamento em áreas florestais ou no debate sobre a exploração de petróleo na região. Mas também houve o reconhecimento de que surgia um bloco com capacidade de trabalhar em prol de interesses em comum, como a proteção da biodiversidade, a redução das desigualdades em seus territórios, a necessidade de financiamento para a manutenção de áreas preservadas e a criação de um modelo de desenvolvimento sustentável para a Amazônia.
“Essa união em torno de objetivos em comum, ainda que sem metas claras, deve ser encarada como um legado da Cúpula da Amazônia e apoiada para que tenha a força e a influência necessárias para impulsionar essa agenda”, escreveu Renata Piazzon, diretora-geral do Instituto Arapyaú, em sua coluna no site Poder 360.
Ainda que algumas assimetrias entre as nações amazônicas tenham ficado claras, de acordo com Renata Piazzon, é importante trabalhar para que isso não interrompa um movimento político importante de valorização da floresta. “A formação deste bloco geopolítico verde pode dar voz aos interesses amazônicos e ter influência global. Uma aliança ambiciosa entre os países amazônicos têm um enorme papel a desempenhar pelo futuro do planeta.”
Para além da presença de chefes de Estado, a Cúpula contou ainda com a participação ativa de diversas iniciativas da sociedade civil, tanto durante o encontro como em eventos que antecederam ou sucederam as reuniões de autoridades.
A iniciativa Uma Concertação pela Amazônia apresentou um novo documento com contribuições para o desenvolvimento sustentável da região. Sob o título “Propostas para as Amazônias: uma Abordagem Integradora”, o trabalho reflete um amadurecimento dos debates da rede. Também revela de que modo temas normalmente apresentados de forma independente – como educação, saúde, segurança, bioeconomia, ciência e tecnologia, povos indígenas e comunidades tradicionais – estão, na verdade, conectados entre si.
A publicação propõe que essas frentes sejam trabalhadas de forma integrada e tenham como centro a promoção da qualidade de vida da população local. “Buscamos conciliar a conservação da biodiversidade amazônica com o bem-estar da população local, o que pressupõe condições sanitárias, educacionais, de segurança e de infraestrutura equivalentes às do restante do país”, diz Lívia Pagotto, co-secretária-executiva da iniciativa Uma Concertação pela Amazônia.
A ambição do documento ao identificar essas conexões é inspirar formuladores de políticas públicas, cientistas e tomadores de decisão que atuam nas Amazônias.
Ao fim da Cúpula, a rede Uma Concertação pela Amazônia promoveu, com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o Consórcio Interestadual da Amazônia Legal e a organização Nature Finance, um debate sobre como finanças e natureza podem ser conectadas em benefício das pessoas e do planeta.
Durante o encontro “Inovação, Finanças & Natureza”, um grupo internacional de lideranças políticas, indígenas e empresariais divulgou um manifesto com recomendações para a promoção de uma economia mais igualitária e positiva para a natureza.
O documento propõe um redesenho dos mercados globais com o intuito de precificar a natureza e o seu papel na manutenção das condições de vida no planeta. “100% da economia global atual é 100% dependente da natureza”, afirma o relatório. “Além da comida que consumimos, da água que bebemos e do ar que respiramos, a natureza inclui todos os seres vivos e os minerais sob nossos pés. Está sempre presente nas nossas casas e nos nossos celulares, nos filmes que assistimos e na forma como gerimos nossa saúde e o consumo de energia.” E faz um alerta: “a maioria das atividades econômicas subestimam a natureza, usando-a como um recurso ilimitado e gratuito quando, na verdade, ela não é nenhum dos dois.”
Entre as recomendações há, por exemplo, a necessidade de garantir a rastreabilidade nos mercados de commodities alimentares, para que todos conheçam as origens do que consomem. Outros pontos levantados são o estímulo aos mercados de carbono e de créditos de biodiversidade com preços justos aos países ricos em recursos naturais, aos povos indígenas e às comunidades locais.
Dois brasileiros, o cacique Almir Suruí, do povo Paiter Suruí, e o ex-ministro da fazenda Joaquim Levy, estão entre os autores do manifesto.
Acesse o documento da Concertação e o documento da Nature Finance.