Um conceito amplo, ainda em formação, e que gera inúmeras conexões de agendas. As muitas bioeconomias, em especial as amazônicas, pedem um olhar cuidadoso, projetos econômicos, sociais e políticas públicas capazes de abraçar a diversidade. Esses desafios foram debatidos em uma plenária virtual, promovida pela rede Uma Concertação pela Amazônia, em parceria com a iniciativa Amazônia 2030, no começo de maio.
Com representantes do governo federal e convidados da sociedade civil, o evento abordou a centralidade da bioeconomia para o desenvolvimento sustentável da Amazônia brasileira e as oportunidades que esse campo traz para o território e para o país. O encontro, mediado pelas secretárias executivas da Concertação, Lívia Pagotto e Fernanda Rennó, contou com uma audiência online de 210 pessoas e foi marcado pela arte do ceramista e ativista paraense Ronaldo Guedes e de artesãos do coletivo Ateliê Arte Mangue Marajó. O grupo liderado por Guedes pesquisa, divulga e preserva o estilo cerâmico marajoara, desenvolvido por uma civilização que habitou a região há 3.400 anos, mantendo viva essa tradição ancestral.
À frente da recém-criada Secretaria Nacional da Bioeconomia, do Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas (MMAMC), a secretária Carina Pimenta explicou que a agenda da bioeconomia é uma das estratégias do governo para uma transição ecológica no país. O assunto está sendo discutido de forma transversal com outros doze ministérios, que se debruçam na missão de desenvolver políticas públicas e um plano nacional de bioeconomia capaz de priorizar a Amazônia e considerar as especificidades regionais. “O foco do Ministério enquanto política de bioeconomia é a valorização da biodiversidade como um todo e da sociobiodiversidade como parte inerente a esse protagonismo”, disse.
O plano do governo é agregar iniciativas, políticas e ferramentas já existentes, mas que precisam ser colocadas à serviço da bioeconomia, sem esquecer dos guardiões da biodiversidade — os povos da floresta e indígenas. Ela cita como exemplos alguns dos focos atuais do governo, entre eles a garantia do uso, acesso e patrimônio genético na pesquisa, na inovação científica, na geração de negócios e em produtos com alto valor agregado; e a Política de Pagamento por Serviços Ambientais — que já foi aprovada no Congresso Nacional e agora depende da regulamentação do governo.
Jorge Viana, presidente da Apex Brasil (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos), reforçou a necessidade de ações conjuntas e defendeu que o campo está aberto para o estabelecimento de um projeto de país baseado na bioeconomia. A presença fortalecida do Brasil no cenário internacional e o grau de exigência de agenda ambiental dos consumidores e do mercado sinalizam para isso, afirmou. “Não é atoa que os países estão procurando fazer parte do Fundo Amazônia. É um registro de que temos um cenário favorável e um posicionamento diferenciado”.
Na leitura de Viana, é preciso um aparato maior do Estado para a bioeconomia, sobretudo em crédito e políticas públicas, para transformar as riquezas da biodiversidade amazônica em um ativo econômico. Esse seria um caminho para ajudar a diminuir o descompasso econômico da Amazônia brasileira em relação às demais regiões do país. Segundo dados da Apex, em 2022, as exportações brasileiras ultrapassaram a cifra de US$ 300 bilhões, sendo US$ 160 bilhões da região Sudeste, US$ 55 bilhões do Sul e do Centro-Oeste cada, US$ 27 bilhões Nordeste (metade de origem da Bahia) e US$ 28 bilhões do Norte. Apenas o estado do Pará, porém, acumula US$ 21 bilhões em exportações, restando apenas US$ 7 bilhões referentes aos demais estados amazônicos. “Não podemos perder essa janela de oportunidade extraordinária de um mercado externo ávido por produtos da bioeconomia”.
Confirmando a visão do presidente da Apex, Nabil Kadri, superintendente da área de Meio Ambiente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), falou da experiência de instrumentos de concessão de crédito e investimentos do banco nos últimos anos. Segundo ele, as iniciativas em que o tema de bioeconomia florestal é colocado como um dos prioritários são as que mais recebem propostas e soluções inovadoras. “O ecossistema de mercado já está preparado para receber sugestões ou provocações por inovações”. Ainda de acordo com Kadri, a recriação dos comitês do Fundo Amazônia, realizada logo no início do mandato do presidente Lula (PT), também gerou um ambiente propício para a retomada e execução de projetos para alocação de recursos em bioeconomia.
Pedro Neto, secretário substituto de Inovação, Desenvolvimento Sustentável, Irrigação e Cooperativismo do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), enfatizou o campo de oportunidades que se abre para a geração de valor para a bioeconomia na Amazônia. Seguindo a tônica do evento, o secretário colocou a necessidade de se olhar para a mega biodiversidade do território como oportunidade de negócios, aliada ao uso racional de recursos e à conservação das florestas. Neto pontuou o diálogo, o compartilhamento de ideias e a construção conjunta de ações como essenciais para o aproveitamento do potencial da região.
Confira a cobertura completa do evento na Página 22.
Além da realização da plenária, o mês de maio ficou marcado para a Concertação pelo avanço de pautas do documento “100 primeiros dias de governo: propostas para uma agenda integrada das Amazônias” no âmbito do executivo federal. Depois de lançar as propostas no ano passado, a iniciativa tem acompanhado o seu andamento e as demais ações da atual gestão. Sete das quatorze propostas foram incorporadas nos primeiros 100 dias do governo, cinco delas assinadas pelo presidente Lula já no ato da posse.
Alinhada à perspectiva integrada da Concertação, uma das sugestões da iniciativa no tópico de saúde era da instituição do Grupo de Trabalho Ação de Saúde Amazônia (ASA). No dia 18 de maio, o Ministério da Saúde publicou portaria instituindo o colegiado. De caráter consultivo, o grupo será liderado pela Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente do Ministério da Saúde e será responsável por articular, em 12 meses, o Plano de Saúde da Amazônia Legal (PSAL). O objetivo principal é incorporar as especificidades do território nas políticas de saúde, ampliando o acesso ao Sistema Único de Saúde (SUS) e fortalecendo ações de vigilância.
Também avançou a proposta de recomposição da estrutura do Ministério do Meio Ambiente e Mudança Climáticas (MMA), pautada pela Concertação no relatório final do Grupo de Trabalho de Meio Ambiente do governo de transição. O governo federal autorizou concursos para retomar o quadro de pessoal do MMA e da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI), e convocou candidatos habilitados no último concurso para o cargo de Técnico Ambiental do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Ainda está prevista a publicação de autorização de concurso público para o restabelecimento de quadros do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).