
A menos de 100 dias da COP30, os olhos do mundo se voltam para Belém, no Pará, onde uma Cúpula do Clima será realizada em plena Amazônia pela primeira vez. Mais do que um símbolo, o evento se apresenta como uma oportunidade estratégica para reposicionar o Brasil no centro das negociações climáticas globais, apresentando soluções concretas já em curso e desafiando o país a refletir sobre o futuro do seu modelo de desenvolvimento.
À frente dos preparativos da conferência, Alice Amorim, diretora de programa da COP30, conversou com o Instituto Arapyaú sobre os bastidores do evento, o papel do mutirão climático, os caminhos para uma agenda de ação orientada à implementação e os esforços para garantir ampla participação da sociedade civil.
A entrevista com Amorim foi feita antes da pressão internacional pela transferência de sede da COP devido aos elevados preços das acomodações em Belém, que poderiam inviabilizar a presença de algumas delegações. Na conversa com o Arapyaú, ela defende, apesar das dificuldades logísticas, a importância de realizar a Cúpula no coração do bioma mais importante para a regulação do clima e destaca o que o Brasil pode oferecer ao mundo como legado: uma nova narrativa sobre adaptação, natureza e financiamento climático, com a floresta e seus povos no centro.
A menos de 100 dias para a COP30, quais são as frentes prioritárias neste momento da preparação?
Estamos atuando em quatro grandes pilares: a Cúpula de Líderes, a agenda de negociação, a agenda de ação e a mobilização. Cada um envolve atores, ritmos e entregas diferentes, e todos são fundamentais para dar forma ao processo da COP. Uma das prioridades agora é a preparação da Cúpula de Líderes, que antecede a abertura oficial do evento. Ela será o primeiro momento político após a entrega das NDCs (Contribuições Nacionalmente Determinadas), prevista para setembro. Esse encontro será crucial para entender, coletivamente, como os países estão se posicionando em relação ao cumprimento das metas do Acordo de Paris.
E em relação à agenda de negociação?
Um dos focos, neste momento, é o debate sobre adaptação climática, que terá grande destaque durante a Semana do Clima da África, que acontecerá na Etiópia, de 1 a 6 de setembro. Também estamos trabalhando no roadmap do financiamento climático (na última COP, os países ricos se comprometeram com a meta de investir US$1,3 trilhão por ano para que os países em desenvolvimento possam adotar tecnologias de baixo carbono, se proteger das ameaças climáticas e impulsionar o desenvolvimento verde). Essa entrega será feita em conjunto pelas presidências da COP29 e da COP30. É um processo que envolve escuta ativa, consultas técnicas e mobilização de diferentes ecossistemas, inclusive via Círculo de Ministros de Finanças.
A agenda de ação é uma das inovações da COP30?
Sim. Queremos que esta seja uma COP orientada à implementação de soluções reais. Estamos estruturando os chamados “grupos de ativação”, que vão trabalhar em 30 temas prioritários e produzir dois conteúdos principais: o Plano de Aceleração da Implementação e o Celeiro de Soluções, algo inspirado, inclusive, no relatório Soluções em Clima e Natureza do Brasil, realizado pelo Arapyaú e pelo Instituto Itaúsa. Tudo isso desemboca também no desenho do espaço físico da COP, nas salas setoriais e no modo como os participantes irão interagir com as soluções ali apresentadas.
E o que o Brasil já tem mostrado ao mundo como exemplo concreto de soluções para a crise climática?
Soluções baseadas na natureza, como restauração e conservação de florestas, estão no centro. Estamos também desenvolvendo instrumentos financeiros inovadores, como o EcoInvest e o Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF, na sigla em inglês), que ampliam a capacidade de financiamento para além do combate ao desmatamento. Além disso, o Brasil foi um dos primeiros a submeter sua NDC revisada, num processo participativo e com forte envolvimento federativo. Há um movimento importante de estados e municípios querendo se engajar mais, o que reforça a ideia de federalismo climático.
De que maneira o mutirão climático convocado pelo presidente da COP30, André Corrêa do Lago, tem contribuído para essa mobilização?
O mutirão se tornou um símbolo de mobilização descentralizada. Vemos com alegria como ele foi incorporado por diferentes atores da sociedade civil até governos subnacionais. Eventos autônomos estão surgindo em várias partes do país, como o mutirão pelo Dia Mundial de Proteção dos Manguezais, que aconteceu no dia 26 de julho com o objetivo de conscientizar sobre a importância desses ecossistemas e promover sua conservação. É uma forma concreta de mostrar que a COP é muito maior que duas semanas de evento: ela é um processo, e precisa da sociedade como protagonista.
Quais os maiores desafios e as oportunidades de organizar a primeira COP sediada na Amazônia?
Os desafios logísticos são muitos e estão nos jornais todos os dias. Mas há algo muito poderoso em estar na Amazônia. É simbólico e necessário. A floresta tem um papel central nas emissões brasileiras e, ao mesmo tempo, é uma das regiões mais pobres do país. Precisamos desmistificar a Amazônia e valorizá-la como território estratégico. A COP está colocando Belém no mapa global da bioeconomia e pode acelerar debates que talvez não ocorressem se não fosse por esse evento. Mas é também um convite para o Brasil refletir sobre qual modelo de desenvolvimento quer seguir: um baseado em commodities de baixo valor agregado ou um baseado em uma economia da floresta, mais tecnológica e integrada.
O que tem sido feito para garantir participação ativa da sociedade civil, juventudes e povos tradicionais na COP30 e para converter simbolismo em protagonismo, de fato?
Estamos em diálogo com diversos grupos e iniciativas, como a Cúpula dos Povos, a Green Zone, as escolas locais, os movimentos culturais e as organizações da sociedade civil. Há um esforço para garantir que a sociedade brasileira, tão vibrante e engajada, possa se expressar com liberdade e segurança. Temos uma campeã climática jovem, Marcele Oliveira, que tem percorrido o país e o mundo ouvindo crianças e juventudes, e trazendo suas vozes para o processo. Queremos que essa característica brasileira de participação ativa esteja bem presente em Belém.
Como o contexto geopolítico global, marcado por guerras, crises diplomáticas e comerciais, tem influenciado as expectativas para a COP30?
Organizar uma COP é sempre navegar num mar de incertezas. Já vimos isso acontecer com a pandemia, com crises sociais, com mudanças de sede. A geopolítica impacta diretamente as negociações. Mas, em vez de ignorar isso, precisamos trazer o debate para dentro e entender os limites e oportunidades da presidência de uma COP. O multilateralismo precisa ser fortalecido, porque só com colaboração global será possível enfrentar uma crise climática dessa magnitude.
O financiamento climático segue como um dos temas centrais rumo à Cúpula de Belém. Qual é a proposta do Brasil nesse campo?
Temos duas frentes principais: a implementação do Artigo 2.1c do Acordo de Paris, que trata da reorientação de todos os fluxos financeiros para uma economia de baixo carbono, e o roadmap dos US$1,3 trilhão para o financiamento climático. Esses temas exigem a convergência entre os mundos de finanças e de clima. No caso da Amazônia, isso passa por capacitar estados e municípios a desenvolverem políticas financiáveis, com boa governança e projetos consistentes. O TFFF, por exemplo, é um instrumento inovador com potencial de ser replicado por outros países tropicais.
E, para encerrar, qual é o legado que você gostaria que a COP30 deixasse para o mundo?
Espero que essa COP mude o patamar da discussão sobre adaptação e natureza. O Brasil tem vivido desastres climáticos recentes, como os do Rio Grande do Sul e as secas na Amazônia. Isso nos dá autoridade e também urgência para pautar a adaptação como prioridade. O mesmo vale para a natureza. Precisamos superar a visão de floresta como algo vazio e tratá-la com um olhar integrado: biodiversidade, povos, soluções, tecnologia. Nenhum outro país tem tanto potencial para liderar esse debate quanto o Brasil.