Adnan Demachki, de 60 anos, é um filho da Amazônia. Fruto do casamento entre uma argentina e um sírio-libanês que sonhava em viver perto da floresta, o advogado nasceu e cresceu em Paragominas (PA), numa época em que a rodovia Belém-Brasília, a primeira a conectar a região com o resto do Brasil, era aindaa uma estrada de chão. Adnan conta que, naquela época, apenas 1,5% da floresta local havia sido desmatada. Mas depois vieram os programas econômicos baseados na “pata de boi”, os ciclos da mineração e da madeira. Toda uma política de desenvolvimento calcado na derrubada da vegetação. “Foram os primeiros projetos do Brasil rasgando a Amazônia”, lembra.
Adnan nunca quis fazer vida pública. Fundador da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em sua cidade, ele só aceitou lançar-se à carreira política em duas ocasiões, quando concorreu e ganhou as eleições para prefeito de Paragominas. Administrou a cidade de 2005 a 2008 e, depois, de 2009 a 2012. Durante esses períodos, firmou com a sociedade e setores produtivos um pacto pelo desmatamento zero e implementou políticas ambientais que serviram de exemplo para outros estados do país. Recentemente anunciado como um dos novos membros do Programa de Fellows do Instituto Arapyaú, ele conta quais experiências e perspectivas pretende partilhar com os colegas.
Quais são suas expectativas ao integrar o grupo de fellows do Arapyaú?
O convite foi uma grata surpresa. Eu tenho as melhores expectativas, porque meu propósito de vida é realmente colaborar para que a gente tenha, no cantinho onde eu moro e em toda a Amazônia, um lugar melhor para se viver, um lugar com mais qualidade de vida, mais sustentável e solidário. Esse propósito tem uma sinergia enorme com o Arapyaú, que faz isso numa escala bem maior, e eu espero poder contribuir e aprender com os demais fellows, aos quais devoto uma grande admiração.
Que experiências, inclusive da administração pública, você pretende partilhar com o Arapyaú?
Eu costumo dizer que as soluções dos problemas globais passam pelas experiências e boas práticas locais. Durante os oito anos em que servi minha cidade [como prefeito], percebi que tínhamos um enorme problema ambiental e econômico, enraizado no desmatamento. Decidimos, então, chamar a sociedade para conversar e fizemos uma verdadeira concertação a nível municipal, firmando um pacto pelo desmatamento zero. Um ano antes, havia cerca de 400 km² desmatados. Depois, esse número caiu para menos de 20 km². Hoje, Paragominas tem 65% de floresta e foi a primeira cidade a implementar o Cadastro Ambiental Rural (CAR), antes mesmo da obrigatoriedade do cadastro federal. Uma frustração que eu tenho, no entanto, é que 12 anos depois de sua criação, 90% dos cadastros ambientais no âmbito federal ainda não foram apreciados.
Nesse sentido, quais são os principais desafios ambientais do Brasil ainda hoje?
Acredito que o Brasil não pode chegar na COP 30 sem implementar, de fato, sua principal lei ambiental, que é justamente o CAR. Esse instrumento define qual é a área de produção de uma propriedade, qual a área de preservação e qual a área que o proprietário deverá restaurar. Sem isso regulamentado, gera-se um passivo ambiental enorme, porque inviabiliza programas de conservação e restauração nessas propriedades. Além disso, ficamos sem saber quais são os ativos ambientais que podem ser transformados em serviços de pagamento, valorizando a floresta em pé. Se a pessoa tem um passivo ambiental em sua propriedade sem um prazo obrigatório para corrigi-lo, dificilmente ela irá fazer isso. E quem tem a possibilidade de vender créditos de sua área preservada excedente também fica impossibilitado de gerar economia com base na floresta em pé. Eu lamento que o Brasil tenha políticas unificadas para quase todas as áreas, como saúde e educação, mas não para o meio ambiente.
Nas esferas nacional e internacional, muitas entidades debatem política ambiental. Qual é, no entanto, a importância de trabalhar desenvolvimento e sustentabilidade diretamente nos territórios mais interessados nessa conversa global?
É nesses lugares que os efeitos da emergência climática chegam com mais força e mais rapidamente. E também neles é possível desenvolver soluções mais efetivas para essa crise, com benefícios a curto prazo para a floresta e para as comunidades que a habitam. Toda experiência em gestão pública que já vi comprova que as políticas só avançam quando são abraçadas pelas autoridades e pela comunidade local. Porque o cidadão está mais perto do prefeito, por exemplo, do que do presidente da República. Se eu tivesse publicado um decreto, sem ouvir a população, simplesmente dizendo que estava proibido o desmatamento em Paragominas, isso teria sido mais uma letra morta na lei. Só funcionou porque fizemos um pacto com 51 entidades sociais, além de toda a Câmara Municipal, o sindicato do setor produtivo. Sentamos à mesa ambientalistas, produtores rurais, carvoeiros, madeireiros, agricultores, estudantes e professores e, assim, construímos uma nova história.