Programa de crédito de impacto socioambiental para pequeno produtor de cacau vence edital do BNDES e terá aporte de R$ 4 milhões

Programa de crédito de impacto socioambiental para pequeno produtor de cacau vence edital do BNDES e terá aporte de R$ 4 milhões
Foto: Patrícia Cançado

Projeto pioneiro de crédito rural sustentável no Brasil, o CRA Sustentável (Certificado de Recebíveis do Agronegócio) foi o primeiro colocado em sua categoria na chamada pública do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para um novo modelo de financiamento dos projetos socioambientais do banco: o “BNDES Blended Finance”. Tendência das finanças sustentáveis, o blended finance mescla capital do mercado com recursos de organizações filantrópicas. Ao absorver parte do risco e alavancar o dinheiro de investidores que buscam retorno comercial, a filantropia contribui para a viabilidade econômica dos projetos.  

Concebido em 2020 pela ONG Tabôa em parceria com os institutos Arapyaú e humanize e o Grupo Gaia, o CRA Sustentável já beneficiou mais de 200 famílias que trabalham com cacau associado a outros cultivos em sistema agroflorestal no sul da Bahia. O propósito do CRA é viabilizar o crédito para pequenos produtores e melhorar a qualidade de vida das famílias por meio do aumento de renda e do incentivo à adoção de métodos de agricultura de baixo impacto ambiental.

Única instituição de fortalecimento comunitário na categoria Bioeconomia Florestal no edital do banco, a Tabôa receberá do BNDES um aporte de R$ 4 milhões para financiar eventuais perdas e dar assistência técnica aos beneficiados na próxima rodada do crédito, prevista para meados de 2023. O recurso do BNDES permitirá ao projeto alavancar mais R$ 13,5 milhões. “Quando apresentamos a proposta, tínhamos a confiança sobre o trabalho que já está sendo feito, resultado da soma de forças entre diferentes organizações e dos claros impactos socioambientais gerados no primeiro ano de operação da iniciativa”, destaca Roberto Vilela, diretor executivo da Tabôa, sediada em Serra Grande, distrito de Uruçuca (BA). 

Nesta primeira rodada, o banco de fomento alocou R$ 90 milhões, que podem ser usados a fundo perdido, em três temáticas: bioeconomia florestal, desenvolvimento urbano e economia circular. “Nas nossas interações com o mercado, percebemos que tem uma grande demanda por instrumentos desse tipo, mas é um ecossistema que ainda está se organizando”, afirmou Bruno Aranha, diretor de crédito produtivo e socioambiental do BNDES, em reportagem do site Reset. 

A proposta é que, para cada real do banco, os projetos se comprometessem a alavancar pelo menos outros R$ 3 com investidores. O edital, e a relevância do mecanismo blended finance para o banco, será apresentado na COP15, que acontece em dezembro em Montreal, no Canadá. O projeto do CRA Sustentável também será detalhado na Conferência pela diretora do Arapyaú, Thais Ferraz.

Resultados CRA Sustentável

Em seu primeiro ano de implementação, o CRA Sustentável já apresentou resultados surpreendentes para a cadeia do cacau. Houve um incremento de quase 40% na renda bruta média dos agricultores familiares, resultado explicado pelo aumento da produtividade — que cresceu 36,2% no cacau commodity e 58,6% para o cacau de qualidade. Nesse período, o número de produtores de cacau de qualidade saltou de 16 para 44 entre os tomadores do crédito, um crescimento de 157%. Outro número que chamou a atenção do mercado foi o índice de inadimplência da operação, que ficou em 0,48%, considerado muito baixo.  

“Esses dados quebraram alguns paradigmas sobre o modelo de crédito para pequenos agricultores, como a adimplência e a produtividade, por exemplo. Muitos desses produtores rurais aplicam práticas agroecológicas, que também costumam ser questionadas em relação à produtividade e potencial de retorno. O projeto mostra que esse é um modelo muito viável para esse perfil de agricultor”, afirma Thais Ferraz, do Arapyaú.

Financiado pela filantropia, o serviço de assistência técnica que acompanha o crédito tem sido essencial para garantir boas práticas de produção, aumento de produtividade e de qualidade das amêndoas de cacau. “O indicativo de aumento de renda vem acompanhado do incentivo à adoção de métodos de agricultura de baixo impacto ambiental, o que reforça o quanto podemos ir mais longe oferecendo novas oportunidades aos agricultores e incentivando um esforço colaborativo – que reúne filantropia, investimento privado e negócios de impacto”, comenta Georgia Pessoa, diretora executiva do Instituto humanize.

Com a conquista do crédito do BNDES, a próxima rodada do CRA vai beneficiar também produtores de cacau no estado do Pará. “O escopo da proposta é oferecer crédito e acompanhamento técnico rural para 600 agricultores familiares produtores de cacau, sendo 450 na Bahia e 150 no Pará. Para o acompanhamento técnico, contamos com o apoio de organizações parceiras como a ONG Solidaridad, no Pará, e a Rede Povos da Mata, por meio da plataforma Muká, que desenvolvemos colaborativamente na Bahia”, explica Roberto.

De acordo com o previsto no projeto, serão investidos R$ 22,5 milhões, dos quais R$ 10,9 milhões de fontes filantrópicas — direcionados principalmente para assistência técnica — e R$ 11,6 milhões de fontes comerciais. Do aporte de R$ 4 milhões do BNDES, metade entra como origem filantrópica e a outra metade como capital de mercado. 

“Ser selecionado nesse inédito edital é a comprovação de que estamos fazendo um trabalho de impacto de referência para todo Brasil. E o resultado é que o projeto irá crescer e causar transformação na vida de mais pessoas e da comunidade”, explica João Paulo Pacífico, do Grupo Gaia.

Para ser considerado sustentável, um título atende a critérios e protocolos e precisa financiar ações que contribuam para o alcance dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU). 

Para acessar os recursos, os produtores precisam se comprometer a não ter trabalho infantil e a preservar áreas de proteção permanente, como beira de rios e córregos, encostas e nascentes. Todos os agricultores beneficiados na Bahia produzem o cacau no sistema cabruca, em que o fruto é cultivado à sombra das árvores, mantendo a Mata Atlântica em pé.